São Paulo, sábado, 27 de abril de 2002

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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

Hoje é dia (de novo) de São João Sebastião

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Terça-feira passada foi dia de São Jorge no Rio de Janeiro; e quinta, de São João em São Paulo. São João Sebastião Bach (1685-1750), cuja "Paixão Segundo São João" foi celebrada na íntegra pela Osesp, regida por Roberto Minczuk.
Duas horas de música seria muito em qualquer circunstância. Mas duas horas de Bach é muito mais e não dura nada, uma enormidade de sentidos multiplicada num tempo que não é deste mundo. Tanto mais com uma produção dessas, semi-encenada, com legendas acima do palco, luz, sugestão de cenário. Tudo discreto e bem resolvido.
Pergunta aos arautos da praça Mauá: deixando de lado a impertinência teológica do cafezinho, antes de assistir à morte de Jesus, o intervalo não seria mesmo dispensável? A voltagem não sofre um pouco com a interrupção de carga?
"Bach nas alturas do Nome": bom título para um ensaio psicanalítico. Mas o ensaísta deveria voltar à Sala São Paulo hoje e escutar novamente a "Paixão" tocada por essa Osesp de câmara. Depois da "Missa em Si Menor" e do "Magnificat", entre outras peças, a orquestra vai descobrindo seu barroco. Sem pretensão de autenticidade, é um barroco cuidadoso e sério, oitocentista nos terrores e graças do Coro da Osesp (cada vez melhor), mas com direito a invenções como o contrafagote para reforçar os graves aqui e ali. "Contempla-o sem cessar", porque é uma invenção genial de Minczuk.
Tudo o que há para dizer em música está dito no primeiro coro e, especialmente, na introdução orquestral. Quem conhece a "Paixão" passou o dia esperando para ouvir as dissonâncias dos oboés (Joel Gisiger e Arcádio Minczuk), alegorias definitivas daquilo que dói, depois passa, logo volta a doer e assim por diante, interminavelmente, na longa visita da alma por esse vale de lágrimas.
Maior entre os maiores, dono indisputado da noite, ovacionado pelos próprios músicos no final, foi o tenor Christoph Genz (da Ópera de Hamburgo). No papel do Evangelista, Genz não cantou uma colcheia que não fosse bem colocada, com um timbre aberto, pessoal. Sabe sempre o que está dizendo, além de saber o que está cantando. Ainda teve o gesto simpático, depois, de passar seu buquê de flores para o gambista Alberto Kanji, outro destaque.
Por outro lado... Não foi só que a soprano Uta Schwabe se enganou de guarda-roupa e veio vestida para cantar os "Sete Pecados Capitais"; é que não estava em noite de Bach. Mas não seria justo julgar uma cantora por uma única apresentação. -E a contralto? -Bom mesmo era o Pilatos, cantado por Friedemann Röhlig; e nada mal o Jesus de Stephan Genz. (Ô, família.)
Detalhe muito significativo: à esquerda do palco, estava o "Povo", um coro formado por funcionários e amigos da Osesp, para cantar dois ou três corais em nome da humanidade. O detalhe importa porque, para quem frequenta a sala, é impressionante ver o orgulho que os funcionários têm pela Osesp. Uma dignidade rara. Que isso se deve, em boa medida, à diretora executiva, Cláudia Toni, a gente sabe. Foi bonito ver Cláudia cantando onde mais gosta, no meio de todos eles.


JS Bach - A Paixão Segundo São João    
Interpretação: Osesp
Regência: Roberto Minczuk
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Mauá, s/nš, SP, tel. 0/xx/11/3337-5414)
Quanto: de R$ 12 a R$ 36




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