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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Hoje é dia (de novo) de São João Sebastião
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Terça-feira passada foi dia
de São Jorge no Rio de Janeiro; e quinta, de São João em São
Paulo. São João Sebastião Bach
(1685-1750), cuja "Paixão Segundo São João" foi celebrada na íntegra pela Osesp, regida por Roberto Minczuk.
Duas horas de música seria
muito em qualquer circunstância.
Mas duas horas de Bach é muito
mais e não dura nada, uma enormidade de sentidos multiplicada
num tempo que não é deste mundo. Tanto mais com uma produção dessas, semi-encenada, com
legendas acima do palco, luz, sugestão de cenário. Tudo discreto e
bem resolvido.
Pergunta aos arautos da praça
Mauá: deixando de lado a impertinência teológica do cafezinho,
antes de assistir à morte de Jesus,
o intervalo não seria mesmo dispensável? A voltagem não sofre
um pouco com a interrupção de
carga?
"Bach nas alturas do Nome":
bom título para um ensaio psicanalítico. Mas o ensaísta deveria
voltar à Sala São Paulo hoje e escutar novamente a "Paixão" tocada por essa Osesp de câmara. Depois da "Missa em Si Menor" e do
"Magnificat", entre outras peças,
a orquestra vai descobrindo seu
barroco. Sem pretensão de autenticidade, é um barroco cuidadoso
e sério, oitocentista nos terrores e
graças do Coro da Osesp (cada
vez melhor), mas com direito a invenções como o contrafagote para reforçar os graves aqui e ali.
"Contempla-o sem cessar", porque é uma invenção genial de
Minczuk.
Tudo o que há para dizer em
música está dito no primeiro coro
e, especialmente, na introdução
orquestral. Quem conhece a "Paixão" passou o dia esperando para
ouvir as dissonâncias dos oboés
(Joel Gisiger e Arcádio Minczuk),
alegorias definitivas daquilo que
dói, depois passa, logo volta a
doer e assim por diante, interminavelmente, na longa visita da alma por esse vale de lágrimas.
Maior entre os maiores, dono
indisputado da noite, ovacionado
pelos próprios músicos no final,
foi o tenor Christoph Genz (da
Ópera de Hamburgo). No papel
do Evangelista, Genz não cantou
uma colcheia que não fosse bem
colocada, com um timbre aberto,
pessoal. Sabe sempre o que está
dizendo, além de saber o que está
cantando. Ainda teve o gesto simpático, depois, de passar seu buquê de flores para o gambista Alberto Kanji, outro destaque.
Por outro lado... Não foi só que
a soprano Uta Schwabe se enganou de guarda-roupa e veio vestida para cantar os "Sete Pecados
Capitais"; é que não estava em
noite de Bach. Mas não seria justo
julgar uma cantora por uma única
apresentação. -E a contralto?
-Bom mesmo era o Pilatos, cantado por Friedemann Röhlig; e
nada mal o Jesus de Stephan
Genz. (Ô, família.)
Detalhe muito significativo: à
esquerda do palco, estava o "Povo", um coro formado por funcionários e amigos da Osesp, para
cantar dois ou três corais em nome da humanidade. O detalhe importa porque, para quem frequenta a sala, é impressionante
ver o orgulho que os funcionários
têm pela Osesp. Uma dignidade
rara. Que isso se deve, em boa medida, à diretora executiva, Cláudia
Toni, a gente sabe. Foi bonito ver
Cláudia cantando onde mais gosta, no meio de todos eles.
JS Bach - A Paixão Segundo São
João
Interpretação: Osesp
Regência: Roberto Minczuk
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Mauá, s/nš,
SP, tel. 0/xx/11/3337-5414)
Quanto: de R$ 12 a R$ 36
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