|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Cantora faz pocket-show hoje, mas deve voltar em junho para mais apresentações de seu novo CD, "Flor de Amor"
Omara Portuondo refugia-se na tradição
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Por três vezes, tentei, em vão, fazer com que Omara Portuondo
falasse da realidade política cubana. À primeira pergunta, "o que
você acha da situação?", a cantora
respondeu, diplomaticamente:
"O que estou fazendo neste exato
momento é minha função, com a
cultura, a de representar Cuba por
todas as partes do mundo".
Da segunda, tentei evitar uma
resposta que já estivesse na ponta
da língua. Quis saber o que ela
achava do fato de dois ícones da
cultura cubana, a também cantora Célia Cruz (1924-2003) e o escritor Guillermo Cabrera Infante
(1929-2005) terem morrido recentemente longe da ilha em que
nasceram, por terem sido proscritos pela ditadura de Fidel Castro.
Delicadamente, Portuondo desconversou, mais uma vez: "Célia
era muito respeitada, tinha uma
voz magnífica, um timbre muito
especial; trabalhei com ela em Cuba e depois a vi no exterior. Sempre conversávamos".
De Cabrera, disse apenas que
admirava o fato de "Três Tristes
Tigres" ter ficado tão famoso.
"Mas a senhora não acha triste
que eles não tenham podido..."
Portuondo não esperou o fim da
pergunta. "Olha", disse, dessa vez
com firmeza, "a vida é uma coisa
tão tremenda, agora estou no Brasil, algo que nunca pensei que iria
fazer, e era uma grande ilusão que
tinha; consegui estar aqui e só o
que quero é que me conheçam
melhor. Gosto de poder estar em
todas as partes e de, depois, poder
voltar a Cuba. A decisão de quem
parte é pessoal, e eu respeito a decisão de todo mundo".
OK, melhor mudar de assunto.
São pouco mais de 18h da última
segunda-feira. Portuondo está em
um hotel em São Paulo, dando
uma série de entrevistas para jornalistas brasileiros, parte da programação de divulgação de "Flor
de Amor", seu mais recente CD,
que inclui também um pocket-show hoje, na Fnac Paulista.
Cansada? "Sim, mas ainda há
forças", diz, rindo, essa cantora de
74 anos que, desde que foi novamente "revelada" ao mundo pelo
projeto Buena Vista Social Club,
do americano Ry Cooder, em
1997, não tem tido sossego e teve
de aprender a conviver com as estratégias de marketing do mundo
das grandes gravadoras.
"Flor de Amor" reúne gêneros
cubanos tradicionais com uma
grande dose de influência brasileira, no ritmo, na produção de
Alê Siqueira e na participação de
Carlinhos Brown e de Marcos Suzano. "Sempre admirei muito a
música brasileira e me atrai o fato
de nossa música ter raízes comuns na cultura africana", diz.
Em junho, Portuondo deve voltar ao Brasil, dessa vez para mostrar o CD em uma turnê maior.
Conta que começou a cantar
por influência dos pais. "Minhas
recordações musicais mais antigas são meus pais cantando e os
programas de rádio, com cantores ao vivo." "Veinte Años", o bolero que a celebrizou no Buena
Vista Social Club, cantado em
dueto com Ibrahim Ferrer, surgiu
em sua vida nessa época. "Aprendi aos cinco ou seis anos, em nossas tertúlias familiares", diz.
Filha de uma espanhola com
um jogador de beisebol negro
-motivo de preconceito na época-, começou a vida artística por
acaso. Sua irmã era dançarina do
tradicional cabaré Tropicana, em
Havana, e ela costumava acompanhá-la nos ensaios. Certa vez,
uma bailarina não pôde se apresentar, e a irmã a indicou para o
papel. "À princípio recusei, porque tinha vergonha de levantar as
pernas para o ar", ri. "Eu era muito nova, mas acabei aceitando."
A partir daí, abriram-se para ela
as portas do cenário musical cubano. Logo conheceu pessoas ligadas ao "filin", gênero que misturava bossa nova e jazz americano com uma roupagem cubana (a
palavra vem de "feeling", em inglês) e começou a fazer shows.
Nos anos pré-revolução, viajou
aos EUA. Entretanto, de 1959 a
1997, ano do projeto BVSC, seu
trabalho ficou conhecido só por
um pequeno círculo na ilha natal.
Mas Portuondo não culpa a revolução. "Estive algumas vezes nos
EUA, até pouco tempo antes de
Bush assumir inclusive; em 86
viajei com o Tropicana e, depois,
com o grupo do Buena Vista, nos
apresentamos no Carnegie Hall;
acho que vou voltar, pois a cultura
está viva e é o que importa", diz.
Omara Portuondo
Show: hoje, às 19h, na Fnac Paulista (av.
Paulista, 901, SP, tel. 0/xx/11/2123-2000), só as 60 primeiras pessoas a
chegar assistem ao show
Quanto: entrada franca
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Crítica: Bonito, sim, mas muito datado Índice
|