São Paulo, Terça-feira, 27 de Abril de 1999
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Geraldo de Barros entre luz e sobras


O fotógrafo brasileiro (1923-1998) recebe homenagens na Alemanha, Suíça e Brasil com exposição de uma série inédita e um documentário que conta seu percurso pioneiro


FERNANDO OLIVA
da Redação

Geraldo de Barros vai correr o mundo. As 60 imagens inéditas da série "Sobras" e um documentário para cinema e TV são o ponto culminante da série de homenagens que o pioneiro fotógrafo, designer e artista plástico brasileiro, morto em abril do ano passado aos 75 anos, recebe a partir deste ano na Alemanha, Suíça e Brasil.
O megaprojeto é conduzido pela artista plástica Fabiana de Barros, filha do fotógrafo, e pelo diretor suíço de cinema Michel Favre.
Barros, um dos mais influentes nomes do construtivismo e do concretismo brasileiro, passou décadas de mal com a máquina fotográfica. Seu interesse pela fotografia despontou quando tinha 23 anos, em 1946. Durou pouco. Cinco anos e 400 imagens depois (entre elas série "Fotoformas", experimentação radical de destruição-reconstrução do negativo), disse ter esgotado as possibilidades de experimentar com fotografia. Dedicou-se então às artes plásticas e ao desenho industrial, período que se encerrou em 1995.
Só no fim da vida volta à paixão da juventude. Como sempre, de maneira inovadora. A partir de 1996 (já parcialmente paralisado em decorrência de uma série de isquemias cerebrais que o atacava desde 1979) entrou de cabeça no próprio passado e recolheu fotografias inéditas de seu arquivo pessoal, como viagens e reuniões em família. "Ele não suportava deixar imagens à toa", diz Fabiana.
Com a ajuda de uma assistente, a fotógrafa Ana Moraes, montou, sobrepôs, colou as antigas imagens sobre uma pequena placa de vidro (7 cm x 6 cm), dando à luz um novo negativo. Saldo: mais de 150 fotomontagens, as "Sobras". Ele é um dos pioneiros, no mundo, nesse processo de intervenção direta no negativo (inclusive ao desenhar e pintar sobre ele), que já havia sido usado em "Fotoformas". A ampliação em papel é feita diretamente da plaquinha de vidro, já transformada em negativo.
De volta do mergulho à sua memória afetiva, Barros surgiu à tona com estranhas imagens, esmaecidas e retalhadas, mas desafiadoras.
Não há saudosismo nessas obras. A lâmina que cortou os velhos negativos também partiu o passado em pedaços. Apesar de a matéria-prima para "Sobras" vir de há muito tempo, o resultado são recriações contemporâneas, originais.
No exterior, serão os alemães os primeiros a ver "Sobras", a série que é a coqueluche das homenagens. A première mundial acontece em Colônia, no museu Ludwig, em agosto. Os 60 negativos foram doados para a instituição alemã. Outros 90 ainda estão em poder da família de Barros.
Em novembro, "Sobras" chega a São Paulo. Além das ampliações, o Sesc exibe 15 negativos que ilustram a técnica usada por Barros. A itinerância termina no Musée de L'Elysée (Lausanne, Suíça), em janeiro de 2000, e no Arquivos Bauhaus (Berlim), em abril.
O documentário "Geraldo de Barros - Trajetória de um Brasil Moderno", de Favre, estréia em novembro. Com 70 minutos de duração, terá também uma versão para vídeo e TV. A produção é de Cláudio Kahns, da Tatu Filmes.
Favre, que é marido de Fabiana de Barros, contrapõe a trajetória artística de Geraldo de Barros e a história do Brasil a partir de meados dos anos 40.
O documentário recria, na película de cinema, a técnica do fotógrafo. Favre filma as fotomontagens de Barros e, usando um processo de trucagem (ele "volta o filme"), sobrepõe outras cenas nos espaços vazios da imagem. Produz, assim, um estimulante diálogo entre passado e presente no interior das "Sobras".
Para falar sobre o contato pessoal com Barros, o fotógrafo Thomas Farkas, o crítico de arte Paulo Herkenhoff e os artistas plásticos Wesley Duke Lee e Nelson Leirner, entre outras personalidades, dão depoimentos para a câmera de Favre.
Destaca-se a fotografia do documentário, a cargo de Mário Carneiro, 68, um dos mais sofisticados diretores de fotografia do cinema brasileiro, nome intimamente ligado às origens do cinema novo. Entre outros, Carneiro fotografou "O Padre e a Moça" (Joaquim Pedro de Andrade) e "Porto das Caixas" (Paulo César Saraceni).
No Brasil, o filme será exibido pela TV Senac. Na Europa, por canais suíços e alemães.


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