São Paulo, Terça-feira, 27 de Abril de 1999
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DISCO - LANÇAMENTOS
Quando o SAMBA era samba

Folha Imagem
O sambista Martinho da Vila em foto do início de sua carreira, recuperada agora em cinco CDs



Relançamentos de Martinho da Vila, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho rememoram o pagode de antes do "sambanejo"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Aqui não há bunda. A gravadora BMG prestigia uma variedade de samba que já é da antiga -o pagode, mas não o "sambanejo" de agora, de Só pra Contrariar & amigos, que veio se apossar do nome-, recuperando num pacote de 12 CDs obras passadas dos cariocas Martinho da Vila, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho.
É a continuação de um projeto -a mesma BMG já recolocara (e mantém, à diferença de algumas suas rivais) em catálogo vários outros discos dos sambistas em questão. Quem leva a melhor é Martinho da Vila, 61, que tem relançados seus cinco primeiros álbuns, clássicos sob vários aspectos.
Antes de estrear com "Martinho da Vila" (69), o sambista vinha de participar -poucos se lembram-, como Martinho José Ferreira e com a canção "Menina-Moça", do 3º Festival de MPB da TV Record, de 1967 (o mesmo em que combateram "Alegria, Alegria", de Caetano, "Domingo no Parque", de Gil, e "Roda Viva", de Chico).
Era artilharia pesada -operava-se então a grande modernização da MPB-, e ao simpático pagodeiro cabia discrição de samba, tradição e sucesso popular não-intelectual.
"Casa de Bamba", concorrente no festival do ano seguinte, seduziu a então RCA (hoje BMG), que capturou-o do cargo de sargento do Exército para fazer do samba carro-chefe do disco de estréia, já repleto de sucessos -"Pra Que Dinheiro", "Grande Amor", "Quem É do Mar Não Enjoa", "O Pequeno Burguês", "Iaiá do Cais Dourado".
Ali e em "Meu Laiáraiá" (70) -exemplar de arranjos mais datados do período, à parte o didatismo de "Plim-Plim" e a pesquisa de samba rural de "Linha do Ão"-, Martinho, que nunca primou por ser um grande cantor, entregou-se exclusivamente às composições próprias, já forjando estilo próprio imediatamente reconhecível.
Essa qualidade se relativizaria a seguir, quando, numa atitude tão tropicalista quanto de reafirmação do tradicionalismo puro, passou a alternar fartos sucessos populares próprios com uma escavação da história inicial do samba.
Da primeira turma, estão nos relançamentos "Segure Tudo", "Quem Pode, Pode", "Quero Ver Quebrar" (71), "Xô, Chuva Miúda", "Balança Povo", "Na Outra Encarnação", "Calango Longo" (72), "Requenguela" (73).
Como apêndice desta, colam-se temas de contemporâneos evidenciados por seu tino comercial: "Memórias de um Sargento de Milícias" (71), de Paulinho da Viola (matreiro chiste na boca do ex-sargento Da Vila), "A Flor do Samba" (71), de Candeia, "O Nosso Olhar" (71), de Sérgio Ricardo, "Beto Navalha" (73), de João Nogueira.
No outro setor, popularizou -a ponto de fazer parecerem seus- sambas ancestrais de João da Baiana ("Batuque na Cozinha", em 72) e Donga ("Pelo Telefone", 73, em regravação antológica).
Também honrou, nessa leva, Ataulfo Alves ("Dia Final", 71), Monarco ("Tudo Menos Amor", 73) e Monsueto Menezes (no pot-pourri "Tributo a Monsueto", 73, que Marisa Monte já beliscou).

Beth Carvalho
Nesse fio surge, na coleção, Beth Carvalho, 52. Embora seus LPs de maior sucesso na virada dos 70 aos 80 já tenham sido reeditados pela BMG, aqui ressurge "Mundo Melhor" (76) (estréia de gala na RCA, após passagens irregulares por bossa e protesto e dois belos LPs de samba na Tapecar). É onde se encontra sua versão -uma das mais emocionadas já feitas- para "As Rosas Não Falam", de Cartola.
Ainda que não fizesse nunca sombra à rival Clara Nunes, Beth brilha aí como não voltaria a brilhar, alternando tradição (Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Alvarenga -na sensacional "Salário Mínimo") e o sonho de futuro de uma geração que o futuro absorveria timidamente -Wilson Moreira, Nei Lopes, Noca da Portela.
O resto é Beth anos 80. Se em "Na Fonte" (81) ela ainda está à toda (latejam "Tendência", de Ivone Lara e Jorge Aragão, e "Dança da Solidão", de Paulinho da Viola -Marisa Monte, de novo, esteve aqui), nos seguintes, por alguma razão misteriosa, começa a esmorecer, junto com o próprio samba.

Zeca Pagodinho
E é nessa curva que nasce Zeca Pagodinho, 40, revelado pela mesma Beth, por volta de 81. Seus primeiros discos, a partir de 1986, saíram (e sumiram) pela RGE, e a BMG, que já havia relançado "Jeito Moleque" (88), prossegue com os três seguintes, daquele samba esmorecido de que Pagodinho já é vítima, mais que agente.
Zeca dá vazão -como Beth Carvalho já vinha fazendo- à arte da geração pós-Fundo de Quintal (banda-ícone do ocaso do pagode de estirpe): Arlindo Cruz, Sombrinha (ambos ex-Fundo de Quintal), Luiz Carlos da Vila, ele próprio.
Mantém os pot-pourris à velha guarda e faz parcerias com Martinho da Vila (tão não-cantor quanto ele), mas nos arranjos aguados se percebe que, de Martinho a Pagodinho, algum laço se afrouxou. E fora desses resistentes, no mundo lá fora, há ternos e bundas.


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