São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 2005

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César Charlone estréia na direção com o longa "El Baño del Papa"

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE MONTEVIDÉU

Da explosão da violência à implosão de um sonho. Indicado ao Oscar pela fotografia de "Cidade de Deus" (2002), César Charlone estréia como diretor de longa-metragem com "El Baño del Papa" (o banheiro do papa), narrativa que está filmando na fronteira entre o Brasil e o Uruguai e que retrata a frustração de toda uma cidade ao ver-se tão pobre como sempre e mais desesperançada do que nunca, após receber a visita de João Paulo 2º.
Além de estar no comando das câmeras, ao lado do roteirista Enrique Fernández, Charlone volta ao seu país natal para construir uma ficção elaborada a partir de histórias que de fato se verificaram em 1988, quando os habitantes de Melo, capital da Província fronteiriça de Cerro Largo, entram em polvorosa com a iminência da chegada do papa à cidade uruguaia.
Acreditando que muitos não hesitarão em cruzar a fronteira para ver o sumo pontífice, preparam-se para receber 200 mil pessoas e sair da pobreza em que vivem. É assim que um silencioso exército de visionários -entre comerciantes, sacoleiros, operários, donas-de-casa e prostitutas, os chamados "quileiros", que vão até o Brasil para adquirir quilos de produtos mais baratos- investe o total de suas poucas economias na compra de artigos a serem oferecidos às centenas de milhares de turistas que, ao fim, nunca chegaram: apenas 8.000 fiéis apareceram.
"Achavam que a cidade ia se encher de gente, vinda de Bagé, de Pelotas. Vamos falar da psicose que toma conta desse lugar. Teve um cara que vendeu a casa para comprar mortadela", exemplifica Charlone.
Foi a partir dessa galeria de intentos fracassados que Enrique Fernández criou a figura central do filme, um homem que planeja algo diferente: construir um banheiro para atender à multidão que lhe daria fortuna.
Os "quileiros" são personagens que continuam a habitar a vida real de Cerro Largo. Concentrados na localidade de Aceguá, onde apenas uma rua divide o Brasil do Uruguai, vivem da venda de lingüiças a botijões de gás e seguem transportando, de moto, o que antes era carregado em bicicletas.
Apesar de o papa estar no título do filme, Charlone faz questão de enfatizar que o projeto é muito anterior à morte de João Paulo 2º e que sua participação na história, além de secundária, não contará com a interpretação de nenhum ator. "Para recriar a presença do papa, vamos usar imagens de arquivo. Ele marca apenas um acontecimento. Depois que passou pela cidade, as pessoas diziam que o único milagre que havia feito tinha sido transformar lingüiça em prejuízo. Do que o filme trata é de pessoas que estão desesperadas, que são muito pobres e que vivem desse sonho que vai mudar suas vidas", afirma.
Co-produção entre Brasil, Uruguai, Peru e França, "El Baño del Papa" está orçado em US$ 600 mil (cerca de R$ 1,8 milhão) e tem previsão de estréia para o início do próximo ano. O longa -que conta com a brasileira O2 (de "Cidade de Deus") como co-produtora- recebeu recursos dos fundos internacionais Ibermedia e do francês Fonds Sud, voltado para filmes realizados por países em desenvolvimento.
Da equipe do drama dirigido por Fernando Meirelles, Charlone levou ao Uruguai Chris Duurvoort, que está preparando os atores não acostumados com a linguagem cinematográfica e os muitos que foram selecionados entre a população local. Para filmar o dia da visita do papa, por exemplo, o cineasta calcula que serão utilizados 200 extras.
"Esse é um filme pauleira, ao contrário do que se tem feito no Uruguai. Estamos rodando aqui, em Cerro Largo, e vamos filmar em Montevidéu por seis semanas, até o meio de junho."

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