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Crônica/crítica
Autora mostra em narrativas ferinas uma Paris efervescente
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Isadora Duncan (1878-1927) viveu seus ideais na
prática. Reinventou a
dança, praticou a poliandria,
defendeu o bolchevismo. Em
tempos espartilhados, subia
nos palcos descalça. Certo dia,
um delegado francês a abordou:
procurava sedição no movimento de seus joelhos. Conhecida apenas pelo primeiro nome, como as rainhas, Isadora
surpreendia. Em Moscou, chamou os comunistas de burgueses. Em Paris, numa apresentação, permaneceu imóvel, exceto por esplêndidos passos lentos. "Como se os movimentos
da dança se tivessem tornado
demasiado redundantes para
seu espírito, salvara da dança
apenas a sua forma."
É assim, com pinceladas precisas, tiradas irônicas e uma eficiente ênfase nos contrastes,
que a escritora Janet Flanner
traça o perfil de intelectuais e
artistas que, como Isadora e ela
própria, viveram na agitada Paris do entre-guerras. Embora
escritos num perecível registro
de crônica jornalística -para a
sofisticada revista "New Yorker"-, seus textos, agora reunidos no livro "Paris Era Ontem",
não envelheceram.
Janet Flanner fazia parte daquela geração de escritores
americanos que descobriram a
efervescência de Paris nos anos
20. Lá, ela conviveu com gente
como Ernest Hemingway, o
pioneiro dos expatriados, e o
mais famoso deles. Os dois tinham em comum o fato de seus
pais terem se suicidado. Tinham também um acordo: um
não sofreria com o eventual
suicídio do outro, uma vez que
"a liberdade podia ser tão importante, no ato de morrer, como nos atos de viver". Hemingway se mataria em 1961; Flanner morreria em 1978, aos 86
anos.
O livro recende a nostalgia a
partir do título. "Ontem", Flanner morava em hotéis e levava
uma vida com poucas limitações. "Ela era atraída pelos
eventos e passatempos de uma
classe ociosa", anotou sua biógrafa. Não era particularmente
antenada. Como nota o escritor
James Campbell no prefácio,
ela teve dificuldade em decifrar
a vanguarda e teria subestimado a ameaça de Hitler, num
perfil escrito pouco antes da
Segunda Guerra.
Seu forte era o estilo. Ficcionista fracassada, encontrou no
relato jornalístico breve o formato ideal para sua arte. Para
cada personagem, tinha uma
frase definitiva.
Sobre Bizet, o compositor de
"Carmen", Flanner lembra que
os toureiros espanhóis ficaram
zangados por terem sido chamados de toreadores, uma palavra que ele inventou "porque
precisava de quatro sílabas para sua batida de marcha musical." Sobre o fim da influência
de Zola: "Ele preserva algum tipo de ascendência mística nos
corações das classes trabalhadoras, que tão cruelmente retratou". Sobre a reputação de
"grande amoureuse" de Mata
Hari: "Seu verdadeiro amor foi
o governo alemão e, como mulher e espiã, foi fiel a ele". Sobre
a mania de perseguição do excêntrico D.H. Lawrence, autor
de "O Amante de Lady Chatterley": "Ele achava que Jung roubara suas teorias de psicanálise,
através de uma leitura das primeiras obras de Lawrence".
Embora muita tinta tenha sido
gasta com coadjuvantes, os verbetes pessoais sobre os protagonistas valem o livro.
OSCAR PILAGALLO , jornalista, é editor das revistas "EntreLivros" e "História Viva" e autor de
"A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).
PARIS ERA ONTEM
(1925-1939)
Autora: Janet Flanner
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 42 (352 págs.)
NA INTERNET - Leia trecho de "Paris Era Ontem"
www.folha.com.br/ilustrada
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