São Paulo, sábado, 27 de maio de 2006 |
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Ensaio/crítica Memórias de Kurt Vonnegut viram amargo panfleto anti-Bush COLUNISTA DA FOLHA
O norte-americano Kurt
Vonnegut Jr. nunca foi
um escritor de meias
palavras. Formado em química,
obcecado pela tecnologia e sua
incidência na vida do homem
contemporâneo, escreveu um
romance literalmente bombástico baseado em sua experiência na Segunda Guerra, "Matadouro Cinco" (69), e histórias
sombrias de ficção científica.
Aos 84 anos, Vonnegut está
mais amargo e crítico do que
nunca com relação ao seu país e
aos rumos da humanidade. É o
que demonstra "Um Homem
Sem Pátria", lançado no ano
passado nos EUA.
É um livro sem gênero, miscelânea de anotações pessoais
com um tom ora memorialístico, ora panfletário, sempre caloroso. Acompanham os textos
desenhos e registros manuscritos do próprio autor.
É, de certa forma, um livro
juvenil, pelo desleixo da construção, pela dicção veemente e
também por uma certa superficialidade. Ao escolher George
W. Bush e seus asseclas como
alvos principais de sua ira, Vonnegut acaba por abraçar um
discurso que é mais malcriado
do que contundente, mais ingênuo do que inflamado.
Nos piores momentos, soa
como uma versão por escrito
do panfletarismo cinematográfico de Michael Moore. Talvez
seja inevitável, sob a hegemonia da direita retrógrada norte-americana, que seus críticos
sucumbam ao maniqueísmo
oposto e estejam condenados a
espernear como crianças contrariadas.
O pensamento de Vonnegut
é simples, formado por alguns
valores básicos que ele não cansa de repetir: o Sermão da Montanha ("Bem-aventurados os
humildes etc."), a retidão de
Abraham Lincoln, a pureza dos
ideais americanos de justiça e
liberdade.
Por conta do desejo de polemizar (mas atacando o que ninguém, em sã consciência, defende, que é o imperialismo bélico norte-americano), o próprio humor do livro soa um tanto forçado, um tanto áspero.
Os melhores momentos talvez sejam aqueles, breves, em
que o escritor se volta para uma
reflexão sobre seu próprio ofício. A comparação que faz -por
escrito e em gráficos- entre os
esquemas narrativos de "Cinderela", dos romances do tipo
"boy meets girl" e das fábulas
de Kafka é impagável.
UM HOMEM SEM PÁTRIA Autor: Kurt Vonnegut Jr. Tradução: Roberto Muggiati Editora: Record Quanto: R$ 29,90 (160 págs.) Texto Anterior: Circo/Arte: Cirque du Soleil Próximo Texto: Surpresas em Cannes ameaçam Almodóvar Índice |
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