São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Atriz fez animação de festa infantil como Emília

Corveloni lembra carreira, que inclui participação em grupo de serenata

Vencedora em Cannes, atriz diz que ainda está "processando" o prêmio e que "grande protagonista do filme é a família"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Anos antes de ter o nome anunciado por Sean Penn no Palácio dos Festivais, anteontem, a melhor atriz de Cannes-2008, Sandra Corveloni, 43, se fantasiou de Emília, a boneca espevitada do "Sítio do Picapau Amarelo", em festas infantis. "Quando a criançada cortou minha peruca, falei "chega!'", lembra, em conversa com a Folha, num café da Vila Mariana (zona sul de São Paulo), ontem.
Corintiana como sua Cleuza em "Linha de Passe", ela conta que se inspirou em sua mãe para compor a doméstica que, grávida, batalha para criar os quatro filhos na periferia paulistana. Formada nos palcos (com o grupo Tapa), diz que só estranhou o tom da interpretação cinematográfica nos dois primeiros dias de filmagens, por ser "naturalmente um pouco exagerada".
Vez por outra, deixa escapar certo desgaste pelo assédio midiático repentino. "Não dá para fazer uma coletiva, não? Estou me sentindo como o papagaio da Ana Maria Braga", diz à assessora. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.  

FOLHA - Conseguiu dormir de domingo para segunda?
SANDRA CORVELONI
- Estou exausta. Não consigo nem trocar de roupa; o telefone não pára de tocar. Até meu filho [Orlando, 6] está atendendo. Na Globo, você vai e não sai mais de lá de dentro, porque emendam uma coisa na outra.

FOLHA - O que mudou nas primeiras 24 horas após o anúncio do prêmio? Já recebeu convites de trabalho?
CORVELONI
- Ainda não. Até agora, dei muitas entrevistas; é como se estivesse fazendo uma retrospectiva do que aconteceu nos ensaios e nas filmagens. Eu estou revivendo esses momentos e falando muitíssimo. Ainda estou processando a idéia.

FOLHA - O que acha que chamou a atenção do júri para sua atuação, já que se trata de um filme sem protagonista evidente?
CORVELONI
- A grande protagonista do filme é a família. São cinco histórias, cinco veias. A Cleuza não é protagonista, mas é a única mulher, a mãe. Como disse o Walter Salles, ela é a coluna moral para onde os filhos sempre voltam, é a referência deles neste mundo maluco. É mãe e pai desses meninos, trabalha fora e tem que dar conta ainda de sua vida social. É cativante, é uma mulher forte.
Apesar das diferenças sociais, da distância do trabalho, do trânsito e da violência, a Cleuza tem muita alegria de viver, é muito intensa.

FOLHA - Por ter formação e carreira no teatro, sentiu alguma dificuldade em encontrar o tom correto da interpretação para cinema?
CORVELONI
- Nos espetáculos com o Grupo Tapa, a gente trabalha muito o realismo e o naturalismo. Por isso, já temos um pouco o tom intimista, a atenção às palavras, aos pequenos gestos, aos olhares. Para o filme, o trabalho com a [preparadora de elenco] Fátima [Toledo] foi muito físico, "olha o que está acontecendo, não viaja". A gente construiu a relação dessa família. Como eu sou um pouco exagerada por natureza, nos primeiros dias, eu ouvia "menos, Sandra, menos". Fiquei observando as cenas dos meninos e entrando no clima. Não senti tanta diferença.

FOLHA - Há alguma Cleuza em sua vida, alguém que tenha servido de inspiração?
CORVELONI
- Tem muitas Cleuzas na minha vida. Nasci em Flórida Paulista, no interior de São Paulo, e vim para São Paulo com cinco anos. Meu pai era agricultor e se cansou da vida por lá. Foi muito difícil no começo. Ele trabalhava numa gráfica, e minha mãe era costureira e, depois, diarista. Ela é uma pessoa muito guerreira, uma grande inspiração.

FOLHA - Da última vez que uma atriz brasileira foi premiada em um dos três grandes festivais de cinema [Fernanda Montenegro, por "Central do Brasil", em Berlim-1998], veio uma indicação ao Oscar alguns meses depois. Repetirá a história?
CORVELONI
- Depois do prêmio, acho que pode acontecer qualquer coisa. Mas não quero ficar viajando muito em cima disso, não, sabe? Sou taurina, muito cabeça-dura e muito pé-no-chão. Não gostaria de ficar, como diria a minha avó, "contando com o ovo ainda na galinha".

FOLHA - Com que cineastas gostaria de trabalhar daqui para frente?
CORVELONI
- Como aconteceu no "Linha de Passe", é tudo uma questão de oportunidade e adequação com o que os diretores querem. Não é tão simples, não está cheio de papéis para mulheres de 40 e poucos anos.

FOLHA - No meio desse turbilhão, o teatro não vai ficar de lado?
CORVELONI
- Não, de jeito nenhum. Tenho muitos projetos com o Tapa. Estamos fazendo uma pesquisa grande sobre [o dramaturgo italiano Luigi] Pirandello. Eu acabei de co-dirigir "Amargo Siciliano", que estreou há pouco e precisa de aperfeiçoamentos.

FOLHA - Antes da estréia profissional nos palcos, com "Beckett in White" (92), qual era sua relação com o teatro?
CORVELONI
- Fazia teatro-empresa, em que tentava falar sobre segurança no trabalho e os caras não desligavam as máquinas. Quando fazia escola de teatro, inventei de fazer animação de festa infantil. Meu pai do céu, que loucura que era.
Um dia, estava de Emília do "Sítio" e a criançada cortou minha peruca. Aí, falei "chega!". Também participei de um grupo de serenata; nossa, levei muita porta na cara e balde d'água na cabeça.

NA INTERNET
www.folha.com.br/ilustradanocinema
leia balanço do festival


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.