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Atriz fez animação de festa infantil como Emília
Corveloni lembra carreira, que inclui participação em grupo de serenata
Vencedora em Cannes, atriz diz que ainda está "processando" o prêmio e que "grande protagonista do filme é a família"
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Anos antes de ter o nome
anunciado por Sean Penn no
Palácio dos Festivais, anteontem, a melhor atriz de Cannes-2008, Sandra Corveloni, 43, se
fantasiou de Emília, a boneca
espevitada do "Sítio do Picapau
Amarelo", em festas infantis.
"Quando a criançada cortou
minha peruca, falei "chega!'",
lembra, em conversa com a Folha, num café da Vila Mariana
(zona sul de São Paulo), ontem.
Corintiana como sua Cleuza
em "Linha de Passe", ela conta
que se inspirou em sua mãe para compor a doméstica que,
grávida, batalha para criar os
quatro filhos na periferia paulistana. Formada nos palcos
(com o grupo Tapa), diz que só
estranhou o tom da interpretação cinematográfica nos dois
primeiros dias de filmagens,
por ser "naturalmente um pouco exagerada".
Vez por outra, deixa escapar
certo desgaste pelo assédio midiático repentino. "Não dá para
fazer uma coletiva, não? Estou
me sentindo como o papagaio
da Ana Maria Braga", diz à assessora. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Conseguiu dormir de domingo para segunda?
SANDRA CORVELONI - Estou
exausta. Não consigo nem trocar de roupa; o telefone não pára de tocar. Até meu filho [Orlando, 6] está atendendo. Na
Globo, você vai e não sai mais
de lá de dentro, porque emendam uma coisa na outra.
FOLHA - O que mudou nas primeiras 24 horas após o anúncio do prêmio? Já recebeu convites de trabalho?
CORVELONI - Ainda não. Até
agora, dei muitas entrevistas; é
como se estivesse fazendo uma
retrospectiva do que aconteceu
nos ensaios e nas filmagens. Eu
estou revivendo esses momentos e falando muitíssimo. Ainda estou processando a idéia.
FOLHA - O que acha que chamou a
atenção do júri para sua atuação, já
que se trata de um filme sem protagonista evidente?
CORVELONI - A grande protagonista do filme é a família. São
cinco histórias, cinco veias. A
Cleuza não é protagonista, mas
é a única mulher, a mãe. Como
disse o Walter Salles, ela é a coluna moral para onde os filhos
sempre voltam, é a referência
deles neste mundo maluco. É
mãe e pai desses meninos, trabalha fora e tem que dar conta
ainda de sua vida social. É cativante, é uma mulher forte.
Apesar das diferenças sociais,
da distância do trabalho, do
trânsito e da violência, a Cleuza
tem muita alegria de viver, é
muito intensa.
FOLHA - Por ter formação e carreira
no teatro, sentiu alguma dificuldade
em encontrar o tom correto da interpretação para cinema?
CORVELONI - Nos espetáculos
com o Grupo Tapa, a gente trabalha muito o realismo e o naturalismo. Por isso, já temos
um pouco o tom intimista, a
atenção às palavras, aos pequenos gestos, aos olhares. Para o
filme, o trabalho com a [preparadora de elenco] Fátima [Toledo] foi muito físico, "olha o
que está acontecendo, não viaja". A gente construiu a relação
dessa família. Como eu sou um
pouco exagerada por natureza,
nos primeiros dias, eu ouvia
"menos, Sandra, menos". Fiquei observando as cenas dos
meninos e entrando no clima.
Não senti tanta diferença.
FOLHA - Há alguma Cleuza em sua
vida, alguém que tenha servido de
inspiração?
CORVELONI - Tem muitas Cleuzas na minha vida. Nasci em
Flórida Paulista, no interior de
São Paulo, e vim para São Paulo
com cinco anos. Meu pai era
agricultor e se cansou da vida
por lá. Foi muito difícil no começo. Ele trabalhava numa
gráfica, e minha mãe era costureira e, depois, diarista. Ela é
uma pessoa muito guerreira,
uma grande inspiração.
FOLHA - Da última vez que uma
atriz brasileira foi premiada em um
dos três grandes festivais de cinema
[Fernanda Montenegro, por "Central do Brasil", em Berlim-1998],
veio uma indicação ao Oscar alguns
meses depois. Repetirá a história?
CORVELONI - Depois do prêmio,
acho que pode acontecer qualquer coisa. Mas não quero ficar
viajando muito em cima disso,
não, sabe? Sou taurina, muito
cabeça-dura e muito pé-no-chão. Não gostaria de ficar, como diria a minha avó, "contando com o ovo ainda na galinha".
FOLHA - Com que cineastas gostaria de trabalhar daqui para frente?
CORVELONI - Como aconteceu
no "Linha de Passe", é tudo
uma questão de oportunidade e
adequação com o que os diretores querem. Não é tão simples,
não está cheio de papéis para
mulheres de 40 e poucos anos.
FOLHA - No meio desse turbilhão, o
teatro não vai ficar de lado?
CORVELONI - Não, de jeito nenhum. Tenho muitos projetos
com o Tapa. Estamos fazendo
uma pesquisa grande sobre [o
dramaturgo italiano Luigi] Pirandello. Eu acabei de co-dirigir "Amargo Siciliano", que estreou há pouco e precisa de
aperfeiçoamentos.
FOLHA - Antes da estréia profissional nos palcos, com "Beckett in White" (92), qual era sua relação com o
teatro?
CORVELONI - Fazia teatro-empresa, em que tentava falar sobre segurança no trabalho e os
caras não desligavam as máquinas. Quando fazia escola de
teatro, inventei de fazer animação de festa infantil. Meu pai
do céu, que loucura que era.
Um dia, estava de Emília do
"Sítio" e a criançada cortou minha peruca. Aí, falei "chega!".
Também participei de um grupo de serenata; nossa, levei
muita porta na cara e balde d'água na cabeça.
NA INTERNET
www.folha.com.br/ilustradanocinema
leia balanço do festival
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