São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2008

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crítica

Peça co-dirigida por Corveloni desafia elenco

SERGIO SÁLVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A consagração internacional do cinema brasileiro já não surpreende ninguém. Para a ávida torcida local, parece conseqüência inevitável do fortalecimento de uma indústria que passa pelo aprimoramento técnico e por um crescente investimento, que, espera-se, acabe virando uma efetiva política cultural.
No entanto, quando se consagra uma atriz como Sandra Corveloni, que nunca se destacou na mídia, parece haver um milagre de geração espontânea. "Que novela essa moça já fez?", deve estar se perguntando muita gente.
Grandes atores, no entanto, não se fazem por promoções de TV. Para entender a arte de Corveloni, basta dar um pulo ao Viga, teatro de bairro que teimosamente aposta no experimental, e ver "Amargo Siciliano", co-direção dela com Eduardo Tolentino, do grupo Tapa.
É um produto típico da segunda geração do Tapa, que sempre primou pela lenta e sólida formação de seus membros. Assim como em "As Viúvas", de 2000, primeira direção de Corveloni a partir de três peças de juventude de Arthur de Azevedo, "Amargo Siciliano" se apóia em três obras iniciais de Pirandello para constituir um exercício para atores.
Não há nada de facilitador nem de hermético na proposta. Ainda próxima do melodrama, "Limões da Sicília", a primeira peça, gira em torno de um homem simples que investiu na carreira de cantora de uma moça; quando ela se consagra, ele ingenuamente vem para se casar com ela. "Andorinho e Andorinha", uma história de amores clandestinos, é mantida em sua forma original de conto, com atores-narradores que desenham em aquarela os personagens.
"O Dever do Médico", mais elaborada, aproxima-se da ironia amarga do autor maduro.

Matéria-prima
Mais matéria-prima que obra-prima, as narrativas desafiam os atores a se manterem simples, deixando entrever nas minúcias dos gestos e nos meio tons a profundidade da angústia pirandelliana. Embora repita o par romântico que funcionou bem em "Camaradagem", Patrícia Pichamone e Tony Giusti, e apesar de emoldurada pelas vigas triangulares que dão nome ao teatro, a montagem atual não inova cenicamente como a anterior -sobretudo porque o texto não o exige.
Pode soar, portanto, como uma peça para especialistas, concebida para uma platéia de atores que vêm se aprimorar ao assisti-la. Não deixa de ser isso, sem nenhum esnobismo.
Mas, aproveitando a coincidência que faz ficção e realidade ecoarem, tão ao gosto da ironia de Pirandello, seria bom que a generosidade do protagonista de "Limões...", marca do Tapa, contagiasse também o grande público, e ele viesse pressentir ainda no anonimato estes atores que, sem política cultural consistente nem patrocínio, vão virar um dia os melhores do mundo, como Sandra Corveloni.


AMARGO SICILIANO
Quando:
qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até 29/6
Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote Valente, 1.323, tel. 0/xx/ 11/3801-1843; 14 anos)
Quanto: R$ 20 (qui., sex. e dom.) e R$ 30 (sáb.)
Avaliação: bom


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