|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/erudito/Staatskapelle Berlin
Barenboim é sobrenatural ao reger Bruckner em SP
Última apresentação de maestro ao lado de orquestra de Berlim acontece hoje
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O primeiro ataque foi tão
poderoso que mal dava
tempo de perceber e já
estava a platéia inteira tomada
pela música, transcendida de si
pelas artes de Wagner (1813-83), em primeiro lugar, mas em
segunda e crucial instância pela
potência da Staatskapelle Berlin, regida por Daniel Barenboim. Era a "Abertura" da ópera Mestres Cantores de Nuremberg, enchendo a Sala São
Paulo de dó maior, anteontem à
noite, no primeiro de três concertos da orquestra (que tocou
ontem e volta a tocar hoje).
Há oito anos, Barenboim esteve na mesma sala com a Sinfônica de Chicago, fazendo
Wagner e Mahler. Desta feita,
escolheu três sinfonias de
Bruckner (1824-96), uma por
noite, começando pela Sétima.
Existe uma caricatura do século 19, mostrando a silhueta
de Bruckner pegando rapé numa caixinha oferecida por
Wagner. Serviria de ilustração
para o programa da Staatskapelle Berlin. Mas não havia nada
de caricato nos "Mestres Cantores" de Barenboim, o contraponto espetacularmente claro,
sem que isso implicasse qualquer diminuição da pressão,
musical e emotiva.
Cada compasso, com ele, vale
a vida; e a vida parece valer cada
compasso.
Foi assim no "Prelúdio de
Amor e Morte" de "Tristão e
Isolda", com as cordas da orquestra mostrando a diferença
que faz diferença, e o crescendo
final rumo a si maior já preparando, a seu modo, o monumental mi maior de Bruckner,
depois do intervalo.
Barenboim rege tudo com
tanta certeza (sempre de memória), que parece natural.
Mas está mais para sobrenatural reger de cor a Sétima de
Bruckner, um labirinto de temas que se repetem onde não
se espera e se fazem esperar onde não estão.
A música parece não ter destino, nem necessidade de destino. A forma, ao contrário do
que se dá em Wagner, tem mais
a ver com a apresentação dos
mesmos materiais por vários
lados do que com um processo
linear e/ou dramático.
No extremo oposto da esfuziante abertura da "Abertura"
de Wagner estava o climático
silêncio no "Scherzo" do
Bruckner: um dos mais dramáticos, irrespiráveis silêncios já
ouvidos na Sala São Paulo. A
música parecia ter sido sugada
para dentro. Depois disso, até
as suspensões e prolongamentos ou, por outro lado, até as oitavas abertas na orquestra inteira em uníssono pareciam um
alívio, senão uma solução.
Não havia jeito de dar bis, depois de um monumento desses;
e Barenboim -sempre simpático, com a audiência tanto
quanto com a orquestra- estava absolutamente certo de não
tocar mais nada. Foi música para encher os ouvidos e a alma;
uma orquestra de sonho, passando e ficando no sonho de vida de cada um de nós.
BARENBOIM/STAATSKAPELLE
Quando: hoje, às 21h
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio
Prestes, s/nº; tel. 0/xx/11/3223-3966; classificação: 12 anos); R$ 90
a R$ 250 (ingressos esgotados)
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: João Pereira Coutinho: Apologia dos caranguejos Próximo Texto: Música eletrônica: Skol Beats inicia votação para escolha de DJs internacionais Índice
|