São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2008

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Crítica/erudito/Staatskapelle Berlin

Barenboim é sobrenatural ao reger Bruckner em SP

Última apresentação de maestro ao lado de orquestra de Berlim acontece hoje

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O primeiro ataque foi tão poderoso que mal dava tempo de perceber e já estava a platéia inteira tomada pela música, transcendida de si pelas artes de Wagner (1813-83), em primeiro lugar, mas em segunda e crucial instância pela potência da Staatskapelle Berlin, regida por Daniel Barenboim. Era a "Abertura" da ópera Mestres Cantores de Nuremberg, enchendo a Sala São Paulo de dó maior, anteontem à noite, no primeiro de três concertos da orquestra (que tocou ontem e volta a tocar hoje).
Há oito anos, Barenboim esteve na mesma sala com a Sinfônica de Chicago, fazendo Wagner e Mahler. Desta feita, escolheu três sinfonias de Bruckner (1824-96), uma por noite, começando pela Sétima.
Existe uma caricatura do século 19, mostrando a silhueta de Bruckner pegando rapé numa caixinha oferecida por Wagner. Serviria de ilustração para o programa da Staatskapelle Berlin. Mas não havia nada de caricato nos "Mestres Cantores" de Barenboim, o contraponto espetacularmente claro, sem que isso implicasse qualquer diminuição da pressão, musical e emotiva.
Cada compasso, com ele, vale a vida; e a vida parece valer cada compasso.
Foi assim no "Prelúdio de Amor e Morte" de "Tristão e Isolda", com as cordas da orquestra mostrando a diferença que faz diferença, e o crescendo final rumo a si maior já preparando, a seu modo, o monumental mi maior de Bruckner, depois do intervalo.
Barenboim rege tudo com tanta certeza (sempre de memória), que parece natural. Mas está mais para sobrenatural reger de cor a Sétima de Bruckner, um labirinto de temas que se repetem onde não se espera e se fazem esperar onde não estão.
A música parece não ter destino, nem necessidade de destino. A forma, ao contrário do que se dá em Wagner, tem mais a ver com a apresentação dos mesmos materiais por vários lados do que com um processo linear e/ou dramático.
No extremo oposto da esfuziante abertura da "Abertura" de Wagner estava o climático silêncio no "Scherzo" do Bruckner: um dos mais dramáticos, irrespiráveis silêncios já ouvidos na Sala São Paulo. A música parecia ter sido sugada para dentro. Depois disso, até as suspensões e prolongamentos ou, por outro lado, até as oitavas abertas na orquestra inteira em uníssono pareciam um alívio, senão uma solução.
Não havia jeito de dar bis, depois de um monumento desses; e Barenboim -sempre simpático, com a audiência tanto quanto com a orquestra- estava absolutamente certo de não tocar mais nada. Foi música para encher os ouvidos e a alma; uma orquestra de sonho, passando e ficando no sonho de vida de cada um de nós.


BARENBOIM/STAATSKAPELLE
Quando:
hoje, às 21h
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nº; tel. 0/xx/11/3223-3966; classificação: 12 anos); R$ 90 a R$ 250 (ingressos esgotados)
Avaliação: ótimo


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