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TEATRO
Diretor explica insistência em levar peças com tema religioso à sua cidade natal, que o acusou de vilipendiar a igreja
Zé Celso quer "catequizar" Araraquara
DANIELA ROCHA
enviada especial a Araraquara
Zé Celso levou mais religião a
Araraquara (282 km de São Paulo), sua cidade natal.
Depois de ter sido acusado de vilipendiar (ofender) ritos religiosos
em apresentação de "Mistérios
Gozosos", há dois anos, na cidade,
ele levou desta vez um espetáculo
sobre o papa João Paulo 2º, "Ela",
adaptação de Jean Genet, e "Pra
Dar um Fim no Juízo de Deus", espetáculo feito a partir de peça radiofônica de Antonin Artaud, que
questiona a existência de Deus.
Sem medo de novas acusações,
ele afirmou ainda que quer voltar a
Araraquara com "Bacantes" patrocinada pelas meias Lupo -empresa da família de Maria Martha
Lupo Stella, a presidente da Fundart, que havia negado ceder algum espaço para o diretor, temendo novas polêmicas.
"Vamos entrar com pedido de
patrocínio, com projeto aprovado
pela Lei Rouanet, para que a empresa Lupo traga para Araraquara
'Bacantes'."
A afirmação de Zé Celso foi feita
ao final de "Pra Dar um Fim no
Juízo de Deus", segunda e última
apresentação do diretor e sua
companhia, Uzyna Uzona, anteontem em Araraquara, durante a
9ª Semana Luis Antonio, de homenagens ao artista e irmão de Zé
Celso, morto há dez anos.
Nesta entrevista, concedida após
a apresentação, anteontem, no
Teatro Municipal de Araraquara,
Zé Celso explica sua fixação com o
tema religião e a sua trajetória pela
reaproximação com Araraquara.
Folha - Por qual razão você trouxe a Araraquara três peças que
abordam a religião, "Mistérios Gozosos", há dois anos, e "Ela" e "Pra
Dar um Fim no Juízo de Deus",
desta vez?
Zé Celso - Porque eu acredito
na religação da espécie humana.
Eu tenho uma irmã portuguesa
que disse uma vez: "Vocês não
podem tocar nos fulcros culturais,
sexo e religião". Acho que sexo e
religião são as duas coisas que
mais interessam ao homem, à vida
humana. O homem é esse animal
erótico e que erotiza tudo, o homem, a mulher, os bichos, o céu, a
terra, as plantas, o espaço, tudo.
E ao mesmo tempo é a questão
de como ele se liga ao outro, como
ele se comunica eletricamente,
tem a ver com eletricidade. A função do artista é a função do cara
que pluga na tomada, religa. Acho
que na cultura cristã deste momento, a humanidade está desligada. Então é necessário replugar a
humanidade no que é mais fundamental para ela.
Folha - Você se replugou a Araraquara?
Zé Celso - Totalmente.
Folha -Você quer voltar?
Zé Celso - Quero, e é sério o que
eu falei no final do espetáculo,
quero voltar com patrocínio das
meias Lupo. É verdade. Por meio
disso, vamos travar a discussão sobre a liberdade de produção, que
vai além da liberdade de expressão. Não adianta você se exprimir
se não tem os meios.
Vamos propor à Lupo, e se eles
alegarem que a peça não está de
acordo com a imagem da empresa,
nós vamos querer saber por escrito
a razão.
E "Bacantes", que quero trazer
para cá, é importante porque nós
conseguimos restabelecer a missa
do teatro. Na origem arcaica do
teatro, existe a missa de estraçalhamento de Dionísio, que a Igreja
Católica depois fez uma cópia.
A missa é uma reminiscência
longínqua da eucaristia dionisíaca, da antropofagia dos índios tupis. Porque, ou você come, ou você é comido, é a única coisa que
existe. Só a antropofagia nos une.
Nesse sentido, sou profundamente religioso e "religozoso". Não é
à toa que foi com "Mistérios Gozosos", do Oswald, que deu esse
rebuliço todo em Araraquara.
Folha - Você quer reconquistar as
pessoas de Araraquara?
Zé Celso - Não, é uma questão
cultural. Araraquara, como em todo o Estado de São Paulo, é uma
cidade dominada pelo imperialismo romano. São essas cidades
com nomes tupis que têm visão
absolutamente ocidental, cultura
totalmente colonizada. Acho que
eu, como artista e filho desta cidade, tenho que fazer o máximo para
isso mudar.
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