São Paulo, sexta, 27 de junho de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO
Diretor explica insistência em levar peças com tema religioso à sua cidade natal, que o acusou de vilipendiar a igreja
Zé Celso quer "catequizar" Araraquara

DANIELA ROCHA
enviada especial a Araraquara

Zé Celso levou mais religião a Araraquara (282 km de São Paulo), sua cidade natal.
Depois de ter sido acusado de vilipendiar (ofender) ritos religiosos em apresentação de "Mistérios Gozosos", há dois anos, na cidade, ele levou desta vez um espetáculo sobre o papa João Paulo 2º, "Ela", adaptação de Jean Genet, e "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", espetáculo feito a partir de peça radiofônica de Antonin Artaud, que questiona a existência de Deus.
Sem medo de novas acusações, ele afirmou ainda que quer voltar a Araraquara com "Bacantes" patrocinada pelas meias Lupo -empresa da família de Maria Martha Lupo Stella, a presidente da Fundart, que havia negado ceder algum espaço para o diretor, temendo novas polêmicas.
"Vamos entrar com pedido de patrocínio, com projeto aprovado pela Lei Rouanet, para que a empresa Lupo traga para Araraquara 'Bacantes'."
A afirmação de Zé Celso foi feita ao final de "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", segunda e última apresentação do diretor e sua companhia, Uzyna Uzona, anteontem em Araraquara, durante a 9ª Semana Luis Antonio, de homenagens ao artista e irmão de Zé Celso, morto há dez anos.
Nesta entrevista, concedida após a apresentação, anteontem, no Teatro Municipal de Araraquara, Zé Celso explica sua fixação com o tema religião e a sua trajetória pela reaproximação com Araraquara.

Folha - Por qual razão você trouxe a Araraquara três peças que abordam a religião, "Mistérios Gozosos", há dois anos, e "Ela" e "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", desta vez?
Zé Celso -
Porque eu acredito na religação da espécie humana. Eu tenho uma irmã portuguesa que disse uma vez: "Vocês não podem tocar nos fulcros culturais, sexo e religião". Acho que sexo e religião são as duas coisas que mais interessam ao homem, à vida humana. O homem é esse animal erótico e que erotiza tudo, o homem, a mulher, os bichos, o céu, a terra, as plantas, o espaço, tudo.
E ao mesmo tempo é a questão de como ele se liga ao outro, como ele se comunica eletricamente, tem a ver com eletricidade. A função do artista é a função do cara que pluga na tomada, religa. Acho que na cultura cristã deste momento, a humanidade está desligada. Então é necessário replugar a humanidade no que é mais fundamental para ela.
Folha - Você se replugou a Araraquara?
Zé Celso -
Totalmente.
Folha -Você quer voltar?
Zé Celso -
Quero, e é sério o que eu falei no final do espetáculo, quero voltar com patrocínio das meias Lupo. É verdade. Por meio disso, vamos travar a discussão sobre a liberdade de produção, que vai além da liberdade de expressão. Não adianta você se exprimir se não tem os meios.
Vamos propor à Lupo, e se eles alegarem que a peça não está de acordo com a imagem da empresa, nós vamos querer saber por escrito a razão.
E "Bacantes", que quero trazer para cá, é importante porque nós conseguimos restabelecer a missa do teatro. Na origem arcaica do teatro, existe a missa de estraçalhamento de Dionísio, que a Igreja Católica depois fez uma cópia.
A missa é uma reminiscência longínqua da eucaristia dionisíaca, da antropofagia dos índios tupis. Porque, ou você come, ou você é comido, é a única coisa que existe. Só a antropofagia nos une. Nesse sentido, sou profundamente religioso e "religozoso". Não é à toa que foi com "Mistérios Gozosos", do Oswald, que deu esse rebuliço todo em Araraquara.
Folha - Você quer reconquistar as pessoas de Araraquara?
Zé Celso -
Não, é uma questão cultural. Araraquara, como em todo o Estado de São Paulo, é uma cidade dominada pelo imperialismo romano. São essas cidades com nomes tupis que têm visão absolutamente ocidental, cultura totalmente colonizada. Acho que eu, como artista e filho desta cidade, tenho que fazer o máximo para isso mudar.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.