São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2001

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ERUDITO

Herzog reforça estatismo de "Tannhäuser"

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Já está virando rotina. Mais uma vez, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro fez seu co-irmão de São Paulo comer poeira.
Em 96, a casa paulistana teve a oportunidade histórica de sediar a estréia mundial da onírica concepção de Werner Herzog para a ópera "Tannhäuser", de Richard Wagner, mas, como de hábito, deixou a chance escapar por entre os dedos.
Resultado: com grande sucesso, a montagem teve sua première em Sevilha, em 97, chegando agora ao Brasil, mas do outro lado da Dutra. O paulistano que quiser lhe assistir que pegue o ônibus ou o avião.

Estatismo
"Tannhäuser" é uma ópera na qual, a rigor, não acontece muita coisa, e a concepção de Werner Herzog reforça esse senso de estatismo. Praticamente não há cenário; Vênus, encarnação do amor carnal, veste o mais vivo dos vermelhos, enquanto Elisabeth e os menestréis, representando o amor idealizado, trajam o mais imaculado dos brancos.
No fundo, 28 ventiladores, invisíveis e sem som (para não atrapalhar a música), produzem um vento constante, a fazer farfalhar o tempo todo a seda ligeiríssima dos despojados figurinos. O "Tannhäuser" de Herzog é uma ópera da imaterialidade.
A montagem foi lançada em DVD, e não deveria ser necessário dizer que funciona muito melhor ao vivo. O vídeo não capta toda a poesia e nuanças de luz de um espetáculo que, no teatro, chega a emocionar.
Emoção reforçada pela elevada qualidade do fazer musical. Pela escolha dos tempos e cortes, o maestro suíço Karl Martin revelou-se influenciado pelo registro da versão de Dresden da ópera feita pelo regente Franz Kowintschny para a EMI, nos anos 60.
Dono de perfeita compreensão do drama e senso de teatro, e com um gestual sempre claro e fácil de ser visto (e entendido) pelos cantores, Martin não apenas foi um mestre na construção de clímaxes como ainda atuou como o mais eficiente dos bombeiros, impedindo com sucesso que os pequenos "incêndios" musicais causados por uma Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal evidentemente limitada e pouco acostumada à escrita wagneriana atrapalhassem a récita do último domingo à noite.

Elenco
Em um elenco bem equilibrado e de alto nível, o destaque foi Cheryl Studer como Elisabeth, o papel que a projetou internacionalmente no Festival de Bayreuth, em 1985.
Muito se falou sobre uma suposta decadência de Studer nos últimos anos, mas o que a soprano norte-americana mostrou foi uma voz cálida e cheia, de belo timbre e grande facilidade de projeção e emissão.
Já o tenor Heikki Siukola mostrou ser um daqueles gigantes nórdicos requeridos para a verdadeira maratona vocal que é o papel-título da ópera.
A afinação e o tempo podem não ter sido lá muito firmes no primeiro ato, mas se consolidaram nos dois subsequentes, revelando uma voz inteira e capaz de sustentar suas linhas melódicas, a serviço de uma concepção do personagem à qual não faltou garra nem personalidade.

Vozes brasileiras
Mas a melhor notícia de todas talvez tenha sido que, desde que bem escolhidas, e nos papéis certos, há vozes brasileiras, sim, aptas a cantar Wagner.
Foram os casos do barítono Lício Bruno (Wolfram) e de Celine Imbert (Vênus).
Esta última, que já foi uma das sopranos mais aclamadas do Brasil, está tomando uma decisão acertadíssima ao mudar de rumo e se aprofundar cada vez mais no registro de mezzo-soprano.
A tessitura vocal do papel de Vênus caiu-lhe muito bem, sendo complementada por uma atuação cênica, como de hábito, apaixonada.


O jornalista Irineu Franco Perpetuo viajou ao Rio de Janeiro a convite do Teatro Municipal


Tannhäuser
    
Autor: Richard Wagner
Direção: Werner Herzog
Regência: Karl Martin
Onde: Teatro Municipal do Rio de Janeiro (pça. Floriano, s/nš, tel. 0/xx/21/ 262-3935) Quando: hoje, 30 de junho e 3 de julho, às 20h
Quanto: de R$ 25 a R$ 80




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