São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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Os piratas se divertem

Juca Varella/Folha Imagem
Homem em frente a banca de filmes ilegais vendidos nas ruas do centro de São Paulo


Consumidores de filmes e de downloads ilegais acham que não cometem crime

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Após um ano da instalação da CPI da Pirataria, policiais e vendedores de produtos ilegais, especialmente os de filmes pirateados por contrabando e pela internet, vivem um jogo de gato e rato que parece longe de acabar.
É que, como ensina a regra mais básica do mercado, não existe oferta se não houver demanda.
"A maior parte da minha clientela é de classe média-alta. Geralmente eles chegam já sabendo o que querem", afirmou à reportagem Guilherme (nome fictício), funcionário de uma loja que vende títulos pirateados em VCD -formato inferior ao DVD- em plena avenida Paulista.
Entre os produtos, disponíveis no estabelecimento por meros R$ 5, podem ser encontrados não somente os novos blockbusters, como "Shrek 2" e "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban", mas também títulos do circuito alternativo, como "Coisas Belas e Sujas", de Stephen Frears, e "Lúcia e o Sexo", de Julio Medem.
"A gente acompanha pela internet os sites de lançamentos de filmes, vê as cotações dos críticos estrangeiros e decide qual deles pegar", explica o vendedor, citando outra conhecida lei do marketing empresarial: prever a demanda.
Assim, já estoca outros inéditos da temporada, como o aguardado "Kill Bill Vol. 2", de Quentin Tarantino, e as adaptações de HQ "Hellboy" e "The Punisher".
"O cinéfilo é potencialmente o público-alvo desse mercado pirata. Somos a fatia do mercado que garante as primeiras 60 mil cadeiras de cada lançamento", afirmou à reportagem o profissional liberal Luiz Antonio (nome fictício), que disse ter assistido a pelo menos quatro dos lançamentos mais recentes em VCD, entre eles, "Van Helsing", "Tróia", "Shrek 2" e "Harry Potter e o Prisioneiro...".
"Em quase todos os casos, fui ao cinema depois. No caso de "Van Helsing", o VCD serviu como termômetro. Não gostei do filme, então não houve motivo para extender a experiência ao cinema."
Segundo Luiz Antonio, com os ingressos em torno de R$ 15, "o fato de o produto pirata estar desviando recompensa de propriedade intelectual não me comove".
Com o crescimento do acesso às conexões de alta velocidade (banda larga), a internet tem se tornado outra -se não a principal- fonte de filmes piratas.
Waldir (nome fictício) revelou à Folha que costuma baixar "com certa freqüência" os filmes antes do lançamento no Brasil. "Eu não me preocupo em estar praticando pirataria porque invariavelmente assisto a todos esses filmes no cinema e também alugo quando saem nas locadoras. Eu sou daqueles que assiste a qualquer filme no mínimo três vezes", disse.
Entre seus últimos downloads, feitos em sistemas p2p como Kazaa ou e-Mule (ferramentas de internet usadas para compartilhar arquivos gratuitamente), estão "Ghotika", "Eterno Brilho de uma Mente sem Lembranças" e o obscuro "Bubba Ho-tep". "Esse filme não sairá no Brasil, nem em vídeo, com 99% de certeza. Baixar é uma das poucas formas de obtê-lo". E acrescentou: "Que diferença faz nos bilhões de dólares de faturamento das grandes corporações se eu baixar um filme?".

Olha o rapa!
A estratégia da repressão, como acontece com freqüência em regiões do centro de São Paulo, principal foco do comércio dos filmes piratas, tem surtido efeito limitado. Apesar da prisão de Law Kim Chong, acusado de liderar a principal rede de contrabando no país, seus shoppings, como o Stand Center, na avenida Paulista, continuam vendendo livremente os produtos falsificados.
"A polícia baixa aqui quase todo dia. A gente sai da loja e deixa tudo para trás", afirmou à reportagem o funcionário de um stand no complexo comercial.
Na rua Santa Ifigênia, onde já é conhecido há tempos o comércio de softwares, eletro-eletrônicos e filmes piratas, a situação é semelhante, mas os produtos são expostos em caixas de madeira na mão de ambulantes.
Na última quinta-feira à tarde, a reportagem presenciou uma batida policial no local. Em menos de cinco minutos da chegada dos policiais, a maior parte dos ambulantes havia fugido com as suas caixas debaixo do braço.
Luzia (nome fictício) não conseguiu correr a tempo. "É a segunda vez só nesta semana. Eles [os policiais] ficam de olho e sabem onde a gente esconde [os VCDs piratas]. Só passam e pegam", disse a ambulante, que, como fachada, mantém em sua banquinha alguns DVDs originais para venda.
Os filmes piratas ficam em uma sacola estrategicamente escondida embaixo da banca.
Cada disco é comprado por Luzia a R$ 5 e revendido na rua por valores que vão de R$ 10 a R$ 15 -se forem dois discos. O tesouro da semana era "Homem-Aranha 2", que estréia nos EUA no dia 30 e no Brasil em 2 de julho.
"Todo mundo procura. Eles [os fornecedores] estão prometendo há um mês que vão trazer o "Homem-Aranha 2", mas até agora não trouxeram. Quando é lançamento mundial dificulta um pouco", afirma ela, que, se não estivesse vendendo filmes piratas, poderia estar vendendo CDs, capas para celular, videogames, cachorro-quente... "A gente tem de sobreviver, não tem outro jeito."


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