São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2007

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Os amigos do rei

Juntos desde os tempos das "vacas supermagras", oito músicos da banda de Roberto Carlos falam sobre como é trabalhar com o cantor há décadas; juntos, eles somam mais de 512 anos de vida

Juntos desde os tempos das "vacas supermagras", oito músicos da banda de Roberto Carlos falam sobre como é trabalhar com o cantor há décadas; juntos, eles somam mais de 512 anos de vida

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Antonio Wanderley diz que, se estiver no banheiro e Roberto Carlos respirar no palco, ele vai saber o que o chefe quer. Após 42 anos acompanhando o cantor, o pianista pode não estar exagerando na frase.
Ele é um dos escudeiros fiéis do Rei, cabeludos -uns nem tanto, outros à custa de artifícios- que há décadas aparecem nos shows daquele que podem chamar de amigo de fé, irmão camarada.
Dos 16 integrantes da banda comandada (há 29 anos) por Eduardo Lages, metade é da velha-guarda, tanto que alguns conheceram Roberto ainda na jovem guarda. Juntos, os oito têm mais de 512 anos de vida -um deles só aceitou dizer que tem "acima de 65"- e 286 tocando com o Rei. De sexta a domingo, estarão no Citibank Hall e na próxima quarta, no Teatro Municipal, ambos no Rio. "Roberto não manda ninguém embora. É conservador em tudo", diz o saxofonista Aurino Oliveira, "acima de 65", há 28 na banda.
Dita em tom de brincadeira, a frase tem um fundo de verdade, como mostra o caso de Anderson Marquez, o Dedé, 63. Crescido entre malandros da praça Tiradentes (centro do Rio), onde prestava serviços para uma banca de jornal, conheceu o cantor antes da fama e passou a ajudá-lo em shows em circos vagabundos ou lugares pequenos para platéias idem.

Egos fortes
De carregador de amplificador, passou a baterista autodidata e, nos anos 70, a segundo baterista e percussionista, depois de algumas tentativas do maestro Chiquinho de Moraes (antecessor de Lages) de demiti-lo. Roberto não permitiu.
"Ele [Chiquinho] e Roberto nunca deixaram de ganhar dinheiro por minha causa", afirma Dedé, que tem ainda outra função nos shows: entregar ao amigo os oito buquês de rosas que são jogadas para a platéia. "Eu aviso no ouvido dele: "Faltam dois [buquês], falta um". Depois vou na nuca mesmo: "Cabô!'", conta.
O ritual já lhe rendeu um palavrão do cantor, que perdeu uma gota de sangue real ao receber uma flor com espinho, falha da camareira.
Outro ex-secretário de Roberto é Luiz Carlos Ismail, 64, que deixou a contabilidade pela música. "Não sei nem fazer meu Imposto de Renda", avisa. Embora "só" há 30 anos vocalista da banda, é amigo do Rei há 47, desde os tempos das "vacas supermagras", quando ambos moravam num edifício da Lapa, no centro do Rio -Ismail continua lá porque gosta. Após três anos morando juntos em São Paulo, Roberto se casou com Nice, e o amigo permaneceu independente. "Meu vício é mulher", resume ele, agora com uma "amiga forte".
Os músicos têm história e ego fortes. Aurino Oliveira diz ser "considerado um dos dez maiores saxofonistas de jazz do Brasil". Wanderley, ex-Milton Banana Trio, destaca bem sua importância para o Rei.
"Ajudei o Roberto mais do que ele me ajudou. Modernizei a música dele, que é um artista genial: com três acordes, fez 400 sucessos", diz ele, 65, revelando que é o autor do som que se ouve (em playback) quando o cantor se senta ao piano para interpretar "Acróstico".
Clécio Fortuna, 71, e Dironir de Souza, 68, tocam sax na banda desde que ela se chamava RC-7 -depois virou RC-9, nome que se mantém, apesar do aumento do elenco. E querem se manter à direita do Rei.
"Há 52 anos, quando eu comecei, havia um horizonte. Hoje não há, porque o Brasil virou uma terra de cantores. E o maior é Roberto", diz Dironir.
Norival D'Angelo, 57, entrou no grupo em 1974, quando Roberto já era, sobretudo, um intérprete romântico. Mas o ex-baterista dos Beatniks e dos Secos & Molhados não deixou de tocar o que mais gosta: rock. Hoje, tem a banda Rockfeller.
"Não vivo de passado. Mas é claro que os anos 60 foram os nossos anos dourados", diz ele, que exerce uma função anti-rebeldia: coordenar horários e burocracias dos músicos.
Aristeu dos Reis, que entrou para a RC-7 em 1974 porque Roberto admirava sua guitarra em "Sentado à Beira do Caminho" ("Estou hoje aqui por causa daquele don-don-don"), vê como natural a afeição aos "dourados" anos 60.
"A tendência do ser humano é manter as lembranças boas, do tempo em que os pais eram vivos e a gente se apaixonava a toda hora. Roberto também é fiel à época dele, por isso o público gosta", opina ele, 59, que trocou a faculdade de medicina pelo rock de bandas como Os Tremendões: "As namoradas pediam dinheiro, e o guitarrista foi substituindo o médico".


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