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Os amigos do rei
Juntos desde os tempos das "vacas supermagras", oito músicos da banda de Roberto Carlos falam sobre como é trabalhar com o cantor há décadas; juntos, eles somam mais de 512 anos de vida
Juntos desde os tempos das "vacas supermagras", oito músicos da banda de Roberto Carlos falam sobre como é trabalhar com o cantor há décadas; juntos, eles somam mais de 512 anos de vida
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Antonio Wanderley diz que,
se estiver no banheiro e Roberto Carlos respirar no palco, ele
vai saber o que o chefe quer.
Após 42 anos acompanhando o
cantor, o pianista pode não estar exagerando na frase.
Ele é um dos escudeiros fiéis
do Rei, cabeludos -uns nem
tanto, outros à custa de artifícios- que há décadas aparecem nos shows daquele que podem chamar de amigo de fé, irmão camarada.
Dos 16 integrantes da banda
comandada (há 29 anos) por
Eduardo Lages, metade é da velha-guarda, tanto que alguns
conheceram Roberto ainda na
jovem guarda. Juntos, os oito
têm mais de 512 anos de vida
-um deles só aceitou dizer que
tem "acima de 65"- e 286 tocando com o Rei. De sexta a domingo, estarão no Citibank
Hall e na próxima quarta, no
Teatro Municipal, ambos no
Rio. "Roberto não manda ninguém embora. É conservador
em tudo", diz o saxofonista Aurino Oliveira, "acima de 65", há
28 na banda.
Dita em tom de brincadeira, a
frase tem um fundo de verdade,
como mostra o caso de Anderson Marquez, o Dedé, 63. Crescido entre malandros da praça
Tiradentes (centro do Rio), onde prestava serviços para uma
banca de jornal, conheceu o
cantor antes da fama e passou a
ajudá-lo em shows em circos
vagabundos ou lugares pequenos para platéias idem.
Egos fortes
De carregador de amplificador, passou a baterista autodidata e, nos anos 70, a segundo
baterista e percussionista, depois de algumas tentativas do
maestro Chiquinho de Moraes
(antecessor de Lages) de demiti-lo. Roberto não permitiu.
"Ele [Chiquinho] e Roberto
nunca deixaram de ganhar dinheiro por minha causa", afirma Dedé, que tem ainda outra
função nos shows: entregar ao
amigo os oito buquês de rosas
que são jogadas para a platéia.
"Eu aviso no ouvido dele: "Faltam dois [buquês], falta um".
Depois vou na nuca mesmo:
"Cabô!'", conta.
O ritual já lhe rendeu um palavrão do cantor, que perdeu
uma gota de sangue real ao receber uma flor com espinho, falha da camareira.
Outro ex-secretário de Roberto é Luiz Carlos Ismail, 64,
que deixou a contabilidade pela
música. "Não sei nem fazer
meu Imposto de Renda", avisa.
Embora "só" há 30 anos vocalista da banda, é amigo do Rei
há 47, desde os tempos das "vacas supermagras", quando ambos moravam num edifício da
Lapa, no centro do Rio -Ismail
continua lá porque gosta. Após
três anos morando juntos em
São Paulo, Roberto se casou
com Nice, e o amigo permaneceu independente. "Meu vício é
mulher", resume ele, agora com
uma "amiga forte".
Os músicos têm história e
ego fortes. Aurino Oliveira diz
ser "considerado um dos dez
maiores saxofonistas de jazz do
Brasil". Wanderley, ex-Milton
Banana Trio, destaca bem sua
importância para o Rei.
"Ajudei o Roberto mais do
que ele me ajudou. Modernizei
a música dele, que é um artista
genial: com três acordes, fez
400 sucessos", diz ele, 65, revelando que é o autor do som que
se ouve (em playback) quando
o cantor se senta ao piano para
interpretar "Acróstico".
Clécio Fortuna, 71, e Dironir
de Souza, 68, tocam sax na banda desde que ela se chamava
RC-7 -depois virou RC-9, nome que se mantém, apesar do
aumento do elenco. E querem
se manter à direita do Rei.
"Há 52 anos, quando eu comecei, havia um horizonte. Hoje não há, porque o Brasil virou
uma terra de cantores. E o
maior é Roberto", diz Dironir.
Norival D'Angelo, 57, entrou
no grupo em 1974, quando Roberto já era, sobretudo, um intérprete romântico. Mas o ex-baterista dos Beatniks e dos Secos & Molhados não deixou de
tocar o que mais gosta: rock.
Hoje, tem a banda Rockfeller.
"Não vivo de passado. Mas é
claro que os anos 60 foram os
nossos anos dourados", diz ele,
que exerce uma função anti-rebeldia: coordenar horários e
burocracias dos músicos.
Aristeu dos Reis, que entrou
para a RC-7 em 1974 porque
Roberto admirava sua guitarra
em "Sentado à Beira do Caminho" ("Estou hoje aqui por causa daquele don-don-don"), vê
como natural a afeição aos
"dourados" anos 60.
"A tendência do ser humano
é manter as lembranças boas,
do tempo em que os pais eram
vivos e a gente se apaixonava a
toda hora. Roberto também é
fiel à época dele, por isso o público gosta", opina ele, 59, que
trocou a faculdade de medicina
pelo rock de bandas como Os
Tremendões: "As namoradas
pediam dinheiro, e o guitarrista
foi substituindo o médico".
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