|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Meu Tio Atahualpa' era o "livro de gaveta"
do enviado ao Rio de Janeiro
Leia trechos da entrevista concedida por Paulo de Carvalho Neto à
Folha, em seu apartamento no
bairro de Copacabana, no Rio. Ele
falou de seu trabalho como folclorista e escritor e fez um relato das
circunstâncias nas quais escreveu
"Meu Tio Atahualpa".
Folha - O sr. diria que existe em
sua decisão de escrever um romance uma tentativa de encontrar respostas que não surgiram em seu
trabalho como folclorista?
Paulo de Carvalho Neto - "Recolha tal como está", essa era a
metodologia que eu utilizava como folclorista. Tínhamos um gravador de rolo enorme que levávamos no carro até o campo. No começo, a reação era de resistência.
Desconfiados, alguns índios nos
provocavam com rimas satíricas, e
nós gravávamos. Com o tempo, a
aproximação foi maior, e a relação
ultrapassou a de pesquisador e entrevistado. Primeiramente escrevi
um livro com mais de 200 contos
folclóricos equatorianos e, a partir
dele, fiz "Meu Tio Atahualpa",
que é um romance, ficção.
Folha - Até que ponto o sr. deixou de ser um folclorista para escrevê-lo?
Carvalho Neto - Eu não deixei
de ser folclorista para escrever o livro. São duas coisas à parte. Ao escrever o romance, você entra para
o lado da projeção estética do folclore. E isso não é exatamente uma
decisão. É uma aceitação inconsciente que vai se conformando.
Na verdade, o livro foi resultado
de antropologia, diplomacia e, no
final de tudo, muita raiva, indignação. Estava saindo de um contato de 20 anos com a língua espanhola e com a política dos países
andinos e estava também bastante
saturado pelas condições em que a
população indígena vivia. Ia a enterros de índios, várias vezes. A
maior parte dos crimes narrados
no livro realmente aconteceu. Mas
os nomes verdadeiros estão perdidos no tempo. Sabe como se chamava esse livro na época em que
saiu?
Folha - Como?
Carvalho Neto - O "livro de gaveta". Porque todos os diplomatas leram. Liam aos poucos. Quando chegava um colega, eles fechavam a gaveta imediatamente (risos). Resultado: sobraram poucos
colegas de trabalho.
Folha - O sr. se sente gratificado
com a obra?
Carvalho Neto - Escrevi um livro aberto para todo tipo de leitor.
É claro que se trata de uma tragédia, mas ela está aí, em forma de
fábula. Então não se pode dizer
que é um livro comunista, ou que é
um livro fascista. É um livro de arte, e a arte fala por si. É uma pena,
no entanto, que no Equador ele tenha sido mal interpretado. "Meu
Tio Atahualpa" é considerado um
insulto à cultura nacional deles.
Não é. É um retrato do que vi.
Folha - O sr. considera que a figura do índio, antes de ser compreendida em sua complexidade,
se tornou um estereótipo para a literatura e o cinema brasileiro?
Carvalho Neto - Isso parece incontornável. Quando as coisas são
compreendidas pela metade, viram estereótipos. Quando as coisas são compreendidas em profundidade, viram exemplos.
Folha - Como foi seu exílio nos
Estados Unidos?
Carvalho Neto - Foi uma decisão pessoal, devido à paranóia estabelecida contra as forças de esquerda na década de 60. Fui para
os EUA em 68, tiraram meu passaporte e passei dez anos lá sem documentos. Só voltei em 85, quando
o Itamaraty me concedeu anistia.
Folha - Como o sr. vê a relação
hoje com a questão indígena na
América Latina?
Carvalho Neto - Vários problemas culturais afloraram ao mesmo
tempo. Essas coisas que estavam
mal vistas, isoladas em regiões distantes hoje, já têm nome. Ao mesmo tempo, são mais compromissos sociais que nem sempre podem ser honrados pelo governo.
Folha - A identidade brasileira
depende da compreensão da cultura indígena ou isso também é,
de certa forma, um mito?
Carvalho Neto - Não tem nada
de mito. Vivemos lado a lado com
os últimos indígenas brasileiros. A
obrigação seria assisti-los em tudo
o que fosse necessário para que
eles pudessem se integrar da melhor forma possível. Acredito que
esses índios estão tentando compreender a democracia, o jogo político, enfrentado os problemas
com os agricultores, por exemplo.
Mas o que se vê é um forte choque
cultural, muitas vezes uma guerra
se acelerando por falta de compreensão dessas culturas.
Folha - Qual seria a reação de seu
personagem, o índio Atahualpa,
ao ver o Cristo Redentor no Rio?
Carvalho Neto - Nunca imaginei Atahualpa no Rio. Mas acredito que seria de identificação. Esse
Cristo Corcovado é uma obra excepcional, do ponto de vista estético e pela mensagem que guarda. É
um acerto do Brasil. Não tem nada
de ufanista. Cada país tem mesmo
o seu símbolo, uns põem o Arco do
Triunfo. Esse Cristo representa
muito bem o que somos.
(RVMR)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|