|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Filho de Fela Kuti, que deve se apresentar no Free Jazz, mantém postura política do pai, mas evita comparações
Femi Kuti vem mostrar legado afro-beat
PAULO VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM MONTREUX
Hollywood Bowl, EUA, 1985.
Fela Kuti, o nigeriano que é considerado pai do afro-beat, tem
show marcado com sua banda de
40 integrantes. Está no aeroporto
de Lagos, capital da Nigéria, ajeitando-se dentro do avião, quando
é preso -para amargar, desta
vez, dois anos de xadrez.
O show não é cancelado: o filho
o substitui e, ao que consta, pouca
gente nota a diferença.
Assim começa a "carreira solo"
do saxofonista e cantor Femi Anikulapo Kuti, uma das atrações do
próximo Free Jazz, dias 21 e 22 de
outubro, no Rio e em São Paulo,
respectivamente (mas, cuidado:
em se tratando de Free Jazz, o melhor é usar a regra de são Tomé
-só acreditar vendo.
Femi fez uma prévia desse show
no Festival de Jazz de Montreux,
no mesmo sábado em que se
apresentaram os brasileiros Martinho da Vila e Paralamas do Sucesso, tocando para uma platéia
que não tinha música exatamente
como uma de suas prioridades.
"Estou ansioso para conhecer o
Brasil", disse à Folha, antes do
show na Suíça, com alguma ponta
de ironia.
"O Brasil é mais perto da Europa do que da África", explicou, fazendo alusão à ausência de vôos
regulares entre os dois continentes (há um, para a África do Sul).
O cantor, que lançou em 1998 o
CD "Shoki Shoki" -agora também em versão nacional pela Universal-, segue os passos do pai.
Não tem o histórico carcerário
de Fela, mas não deixa de fazer comentários políticos em suas letras. Diz, por exemplo, em "Sorry,
Sorry": Com esse tipo de líderes/
Não há esperança para África /
Africanos vão sofrer/Até o sofrimento atingir nossos ossos.
Mas a mensagem não é transmitida em andamentos lentos,
meditativos. É música para se acabar de dançar, como fazia seu pai.
"Acho que não sou preso porque os líderes nigerianos têm hoje
preocupações mais importantes.
Entre silenciar um músico e tramar seus próprios golpes, o que
você acha que eles preferem fazer?"
O músico não concorda com o
termo "pessimista" que tento lhe
aplicar. "Sou realista".
Não acredita numa solução armada para o histórico de desigualdades sociais e violência na
Nigéria e outros países da África
setentrional, mas tampouco enxerga um caminho político.
"Quero acreditar numa revolução positiva. Um caminho para isso pode ser a música."
Ôps, parece que já vimos isso
em Marley.
Não que a Jamaica pareça ser
um paraíso social, mas é inegável
que Marley logrou difundir sua
mensagem para muito além do
Caribe.
Femi acha que está no caminho
e faz fé no que chama de "força
positiva" -também nome de sua
banda.
Poderia deixar a Nigéria natal,
sendo hoje contratado de uma
companhia multinacional, mas
prefere ficar em Lagos, onde tem
um bar.
"Fico menos do que gostaria na
Nigéria."
Mas teve tempo de fundar uma
ONG, o Movimento contra a Segunda Escravidão, que ele vê em
curso, no mundo.
Femi não gosta de ser comparado ao pai, mas não lhe desagrada
ser chamado de "herdeiro".
Comenta, com aparente desdém: "A obra do meu pai está
muito bem cuidada. É muito fácil
achar seus discos."
Femi dedicou "Shoki, Shoki" a
Sola, sua irmã caçula, também
fundadora da Força Positiva. Ela
morreu de câncer em 1997.
Sobre música brasileira, preferiu ser diplomático -muito provavelmente para disfarçar seu
pouco conhecimento.
"Prefiro não apontar preferências. Não quero cometer injustiças."
Questionado sobre se poderia
chamar ao palco algum dos brasileiros que em Montreux o antecediam, disse: "Em música, como
na vida, nada é impossível".
(Como é de imaginar, isso era só
um aforismo.)
Texto Anterior: Relâmpagos - João Gilberto Noll: O indicado Próximo Texto: Energia cinética aplicada à tristeza Índice
|