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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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CRÍTICA

Espetáculo é pungente e transformador

SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

"Me parece ter visto sua cara em outro lugar", diz a jovial senhora ao viajante ao seu lado. "Impossível, minha cara sempre anda comigo." Com essa lógica das peças de Ionesco e a lírica indignação dos dramas de Lorca, "Nuestra Señora de las Nubes" ganha a platéia de São José do Rio Preto logo de início.
Imensamente humano, logo intensamente político, "Nuestra Señora" parte de uma denúncia da condição precária dos exilados para chegar a uma perplexa constatação sobre a precariedade do mundo.
A tentativa dos dois conterrâneos dessa Macondo equatoriana de reconstituir pela memória a perdida cidade natal vai demonstrando a necessidade não de se voltar a um passado idealizado, mas de resgatar através da reinvenção do passado a dignidade necessária para construir o presente.
Dessa forma, o espetáculo equatoriano faz um interessante contraponto com a outra atração internacional do Festival de São José do Rio Preto.
Em "La Última Noche de la Humanidad", da companhia argentina El Periférico de Objetos, o filme caseiro que registra a infância se autodestrói, e o grupo, encerrado em um cubículo estéril, se desumaniza por ter que viver em um presente eterno, feito de respostas mecânicas a ordens superiores.

Personagens fellinianos
Aqui, porém, estamos protegidos pela ternura da memória. Graças ao extraordinário carisma e à técnica precisa de María del Rosario Francés, secundada à altura pelo também autor do texto Arístides Vargas, desfilam personagens fellinianos, como a avó guardiã do passado e seu neto deficiente ou a picaresca dupla que passa o dia importunando as mulheres da cidade, cena feita diretamente com a platéia, na melhor tradição popular.
A cenografia despojada e requintada -apenas malas e tecidos que vão desdobrando paisagens no palco nu- costura com eficácia a estrutura musical do texto, feito de frases e situações que se repetem, às vezes desnecessariamente.
Apesar disso, o espetáculo é pungente e transformador. Ao sair do teatro, todos somos cidadãos de Nuestra Señora de las Nubes.


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