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FERNANDO BONASSI
Paris? Texas?!
Somos magros, somos feios,
somos negros. Somos brancas,
somos escravas, somos mineiros.
Também somos daqueles paulistas bandeirantes, triunfantes nessas florestas tropicais, que estão
perecendo nos desertos imemoriais do Império Americano... Nós
não somos bacanas, não somos
"hermanos"; nós somos ilegais!
Nossas mulheres fazem fila por
subempregos, nossos filhos multiplicados criam confusões dos diabos com desejos e miscigenações.
As raças puras dos velhos continentes que se cuidem com muros
de vergonha, murros sem vergonha e passaportes de sangue azul.
Estamos sempre em trânsito, procurando um lugar onde cair duros. E essas paisagens são bonitas
de se ver em tecnicolor, mas letais
nas realidades banais de nossos
calores humanos!
O fato é que vagamos em vagões
de gado, à espera de uma esmola,
um trocado, um salário ou uma
vaga em Auschwitz. Escondidos
nos fundos falsos dos contêineres
subsidiados, somos sufocados por
esses pós da China que se acumulam na bacanal do comércio internacional. Será que a felicidade é
estrangeira, nos punindo por termos nascido na pátria de Deus?
Ou o Senhor é do Timor? É cubano? É panamenho? É ou não é brasileiro?! Fazendo tanta besteira
com a criação, poucos duvidam
da origem de sua instrução...
Cansamos de comer pelas bordas as migalhas jogadas por essa
elite ilustrada, que se repete na
mesma história de poder e marmelada, já que prefere a sonoridade da prosperidade distante às lavanderias dos seus próprios quintais, onde os empregados informais choram abraçados a crucifixos e aventais.
Se não somos iguais perante as
próprias leis, o que seremos? Marginais de nós mesmos? É para rir?
É para chorar? Para respeitar? O
quê? De quem? Onde? A aflição
globalizante acabará com Governador Valadares? Ninguém mais
saltará do pico do Ibituruna?
Quem velará pela mensagem de
Augusto dos Anjos quando a cidade de Leopoldina for declarada
extinta? O que farão os bombeiros
bombados e bronzeados sem os
rachas e os acidentados no eixo
sagrado de Palmas? O açude de
Cajazeiras se transformará numa
cloaca quando não houver mais
quem cuide de sua pureza? Exu
perderá a fama de mau? Que pedra é essa no meio do nosso caminho? O que faz os goianos se lançarem às miragens no deserto do
Arizona não é o mesmo que faz
outros depositarem os butins da
terra arrasada em contas cifradas
na Europa enregelada?
Será que é porque aqui se morre
de fome antes de lá morrermos de
sede?
Podemos estar na moda dos modelos anoréxicos, o que não nos
põe comida no prato. Saco vazio,
por mais bem maquiado, não pára em pé. Nós avançamos. Pulamos as cercas, comemos poeira,
mergulhamos nas águas paradas
das fronteiras contaminadas!
Aliás, quem são os soldados desconhecidos que passam boiando
nesses rios ridículos que separam
mulheres de homens? Qual será a
cova final dos nossos cadáveres,
uma vez que suas famílias estão
miseráveis para esses traslados sofisticados?
A desnutrição faz a vanguarda
deserdada que se espalha por esses
campos ressecados de batalhas,
carregando as tralhas em mochilas espremidas e amedrontadas
pelas mordidas dos coiotes que
abundam farejadores. O que ocorreria se corrêssemos desses bichos
que, em ficando, nos pegariam,
nos matariam e nos comeriam
num Estado Nacional ou noutro?
Todos preferem a vida a peso de
dólar, essa é que é a verdade, ou a
vaidade, desses burgueses. Nisso se
assemelham aos patriotas locais
muitas vezes mais espertos, cuja
prole já vive a boa vida eterna, estudando num paraíso fiscal ou intelectual qualquer. Preferimos fritar as batatas baratas que enchem
as barrigas desses turistas brasileiros em visita aos monumentos genocidas dos nossos antepassados.
Embalamos o seu luxo, erotizamos vosso tédio, recolhemos vosso
lixo!
Somos bobos, somos fracos, somos mixos! Até os falsários portugueses nos chamam de burros
bem-comportados, uma vez que
lhes passamos a maior parte do
dinheiro mal suado em agiotagens nessas oficinas de costura
puritanas, quartos de crianças
arianas e lanchonetes multinacionais.
Podemos perfurar os poços dos
vice-presidentes, fazer figuração
em filmes decadentes, pornográficos... haveremos de nos encontrar
sobreviventes nas portas das estações de trem, trocando seringas e
doenças endovenosas. Nos envenenaremos de desprezo, de raiva
e saudades caprichosas. Também
poderemos ser mordidos por vírus
esquisitos nesses sexos fáceis, sem
proteção ou anticorpos...
Detidos para averiguações, pagamos imediatamente a temerária fiança temporária aos advogados de porta de alfândega; mas
se nada disso resolver e formos
presos por essas polícias políticas,
que nos sirvam uma boa refeição
quente, um copo de café com leite
e vista para alguma "highway".
Quem sabe aí a gente possa imaginar um lugar diferente, onde
tudo passa de repente, até a ilusão do movimento... Me digam:
quem é o malandro? Quem é otário? Quem é revolucionário?
Quando os supostos democratas
históricos se juntam aos fascistas
de plantão por 15 minutos de fama filmada em campanhas esclerosadas, talvez seja mesmo a hora
de parar, de amaldiçoar, de partir...
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