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COMENTÁRIO
A política em carne e osso
DA REDAÇÃO
Há um momento em "Música
Feroz" (1993), o primeiro filme de Marcelo Piñeyro, em que
um estudante fascinado por cinema aponta a câmera para o resto
da turma. O protagonista, um
cantor de rock, pergunta a ele: "O
que filma?". Ele responde: "Não
filmo, faço prisioneiros".
Estamos no final dos anos 60,
época de passeatas, utopias, amores ingênuos e muita pancadaria
entre universitários e polícia. Como um alter ego do próprio diretor, o jovem cineasta se expõe: seu
ofício é aprisionar emoções, fazer
instantâneos do que se passa no
interior de indivíduos que vivem
apenas uma vez, em um só momento da história e espaço -no
caso, sempre a Argentina.
É assim em "Kamchatka"
(2002). Agora são os anos de
chumbo do regime militar, mas o
tema de Piñeyro é o mesmo: a história e a política por meio do que
ela causa às pessoas, seus valores e
emoções. Pai (Ricardo Darín),
mãe (Cecília Roth) e dois filhos
pequenos se escondem da repressão. Recolhem-se a uma casa
abandonada e vivem clandestinos
até onde é possível. Os garotos são
levados a perceber o pesadelo em
que estão sozinhos, enquanto os
pais, a descobrir uma maneira de
ensiná-los a resistir, pois sabem
que cedo ou tarde terão de abandoná-los antes de passarem a integrar a imensa lista dos desaparecidos firmada pela ditadura.
"Kamchatka" sucedeu o também aclamado "Plata Quemada"
(2000), com Leonardo Sbaraglia e
Eduardo Noriega. Adaptação do
romance de Ricardo Piglia, a produção reconstitui um fato real,
um assalto a um carro-forte ocorrido em Buenos Aires, em 1965,
protagonizado por dois amantes
(chamados de "los mellizos", os
gêmeos). Esse sangrento "road
movie" gay toca as duas margens
do rio da Prata. Por meio de uma
metáfora, a do "dinheiro queimado" do título, aborda problemática atualíssima tanto na Argentina
como no Uruguai: qual a utilidade
de uma moeda que perde valor a
cada minuto para homens cujas
vidas se esvaem a cada segundo?
"Plata Quemada" dialoga com
um de seus trabalhos mais interessantes. "Cinzas do Paraíso"
(1997) é a história de três irmãos
que disputam a autoria de um crime. Esse thriller sensual já trazia
características que "Plata Quemada" exacerbaria nas tensões de
um claustrofóbico ambiente masculino. Para quem será introduzido agora ao trabalho de Piñeyro,
ficam essas sugestões.
(SYLVIA COLOMBO)
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