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São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

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COMENTÁRIO

A política em carne e osso

DA REDAÇÃO

Há um momento em "Música Feroz" (1993), o primeiro filme de Marcelo Piñeyro, em que um estudante fascinado por cinema aponta a câmera para o resto da turma. O protagonista, um cantor de rock, pergunta a ele: "O que filma?". Ele responde: "Não filmo, faço prisioneiros".
Estamos no final dos anos 60, época de passeatas, utopias, amores ingênuos e muita pancadaria entre universitários e polícia. Como um alter ego do próprio diretor, o jovem cineasta se expõe: seu ofício é aprisionar emoções, fazer instantâneos do que se passa no interior de indivíduos que vivem apenas uma vez, em um só momento da história e espaço -no caso, sempre a Argentina.
É assim em "Kamchatka" (2002). Agora são os anos de chumbo do regime militar, mas o tema de Piñeyro é o mesmo: a história e a política por meio do que ela causa às pessoas, seus valores e emoções. Pai (Ricardo Darín), mãe (Cecília Roth) e dois filhos pequenos se escondem da repressão. Recolhem-se a uma casa abandonada e vivem clandestinos até onde é possível. Os garotos são levados a perceber o pesadelo em que estão sozinhos, enquanto os pais, a descobrir uma maneira de ensiná-los a resistir, pois sabem que cedo ou tarde terão de abandoná-los antes de passarem a integrar a imensa lista dos desaparecidos firmada pela ditadura.
"Kamchatka" sucedeu o também aclamado "Plata Quemada" (2000), com Leonardo Sbaraglia e Eduardo Noriega. Adaptação do romance de Ricardo Piglia, a produção reconstitui um fato real, um assalto a um carro-forte ocorrido em Buenos Aires, em 1965, protagonizado por dois amantes (chamados de "los mellizos", os gêmeos). Esse sangrento "road movie" gay toca as duas margens do rio da Prata. Por meio de uma metáfora, a do "dinheiro queimado" do título, aborda problemática atualíssima tanto na Argentina como no Uruguai: qual a utilidade de uma moeda que perde valor a cada minuto para homens cujas vidas se esvaem a cada segundo?
"Plata Quemada" dialoga com um de seus trabalhos mais interessantes. "Cinzas do Paraíso" (1997) é a história de três irmãos que disputam a autoria de um crime. Esse thriller sensual já trazia características que "Plata Quemada" exacerbaria nas tensões de um claustrofóbico ambiente masculino. Para quem será introduzido agora ao trabalho de Piñeyro, ficam essas sugestões.
(SYLVIA COLOMBO)


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