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"GAROTAS DO ABC"
Filme acentua marca do cineasta em fazer "justaposição entre um certo naturalismo e a estilização"
Operárias de Reichenbach resistem à barbárie
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Carlos Reichenbach continua buscando "o nobre pacto entre o cosmo sangrento e a alma pura" de que falava Mário Faustino.
Em "Garotas do ABC", a violência e a ternura, os dois pólos que
movimentam o cinema do diretor, estão delineados com nitidez.
De um lado, há o universo feminino, composto por um grupo de
operárias têxteis em que se destacam Aurélia (Michelle Valle),
Paula (Natália Lorda) e Antuérpia
(Vanessa Alves). Do outro, está
um bando de neonazistas boçais,
liderados por um confuso "intelectual" de direita (Selton Mello).
Esses dois extremos se tocam de
diversas maneiras. A mais paradoxal delas é o namoro entre a
mulata Aurélia e um neonazista
(Fernando Pavão). O drama de
Aurélia é um dos centros da narrativa, mas não o único.
Há, além dele, as relações complexas entre as garotas têxteis (e
entre estas e a fábrica), a agressão
dos neonazistas aos negros e nordestinos, a investigação policial
de um atentado cometido pelo
bando, um esboço de mobilização
sindical, o baile no Clube Democrático etc.
Talvez por conta das inúmeras
modificações que o projeto do filme sofreu desde sua gênese e dos
45 minutos cortados na versão final, o tratamento desses vários focos de interesse é desigual, e nem
sempre a forma como eles se articulam é convincente.
Mas isso não é um grande problema. O cinema de Carlos Reichenbach sempre extraiu muito
de sua força do desequilíbrio e da
mistura de gêneros.
Em "Garotas do ABC" salta aos
olhos outra marca do cineasta,
que é a justaposição entre um certo naturalismo (do ambiente, sobretudo) e a estilização da "mise-en-scène". Esta última se manifesta especialmente nas citações e referências literárias, históricas e cinematográficas.
Algumas dessas citações são
meras homenagens, sem grande
incidência sobre a construção do
filme. Exemplos: o militante sindical (Dionisio Neto) tem o nome
do cineasta André Luís Oliveira,
uma pichação feita pelos neonazistas inverte uma frase do "Bandido da Luz Vermelha" etc.
Em outros casos, a referência
intertextual é constituinte do filme. A cena em que a câmera gira
vertiginosamente em torno de
Selton Mello numa pedreira, e
que culmina com a descoberta do
sigma impresso em suas costas
(referência dupla ao integralismo
e a "M, o Vampiro de Dusseldorf") é uma das mais inspiradas,
bem como a do carro dos neonazistas avançando na noite ao som
de Wagner.
Mais problemática é a seqüência em que um justiceiro (Alessandro Azevedo) executa alguns
neonazistas. A estilização, ao
aproximá-lo do Corisco de "Deus
e o Diabo na Terra do Sol", acaba
lhe conferindo uma perigosa aura
heróica.
Mas o filme é muito maior que
isso. Nestes tempos de renovada
barbárie, "Garotas do ABC" é urgente e necessário.
Garotas do ABC
Direção: Carlos Reichenbach
Produção: Brasil, 2004
Com: Fernando Pavão, Selton Mello
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco, Lumière e circuito
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