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HUMOR
Coletânea enfatiza sátira de Mark Twain
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Ele tinha problemas com a telefonia, com o transporte urbano, com o serviço dos hotéis,
com a educação dos filhos e com
alarmes antifurto (e com os ladrões, é claro). Realmente, passados mais de cem anos, a julgarmos pelas considerações de Samuel Langhorne Clemens, mais
conhecido pelo pseudônimo de
Mark Twain (1835-1910), pouco
mudou no universo das aflições
da burguesia.
Mark Twain foi o mais famoso
escritor americano de seu tempo.
Atravessou o Atlântico 29 vezes,
muitas das quais para ministrar
suas disputadas palestras. Era ainda mais amado na Inglaterra do
que em sua terra natal. No Brasil,
foi um dos dois escritores estadunidenses vivos que os membros
da Academia Brasileira de Letras
puderam lembrar, em 1899, segundo relato de José Veríssimo.
Quem era o outro, ele não menciona. Quem sabe nenhum outro
nome tenha acudido aos acadêmicos.
É esse lado outrora mais famoso, de satirista e polemista
-Twain chegou a ser chamado
de "o moralista do leste" que esta
coletânea de "Dicas Úteis" pretende enfocar. Preparado por
uma equipe especializada no escritor, da Universidade da Califórnia, o livro contém textos famosos, alguns pouco republicados e certa coisa inédita.
Dos manuscritos do acervo de
Twain, por exemplo, destaca-se
um texto onde ele conta que, em
sua infância, à margem do Mississippi, os médicos cobravam US$
25 por ano para cuidar da família
toda. Purgantes e sangrias seguidas de emplastros de mostarda
eram algumas das panacéias. Não
havia dentistas. Se necessário, o
próprio médico pegava do boticão e arrancava o dente. "Se a gengiva ficava, não era culpa dele",
relata.
Trata-se de uma das poucas notas mais passadistas; as outras
costumam manter o foco no presente. Aquele presente. Twain pode ser um caipira, mas sem dúvida não deixava de ter sua relação
de amor e ódio com as novidades
da indústria.
Foi um dos primeiros moradores de Hartford a ter telefone, instalado em dezembro de 1877 (O
invento de Graham Bell é do ano
anterior). Desde então, não se
cansou de praguejar contra a inovação tecnológica, que quase
sempre funcionava mal, quando
funcionava. Suas farpas se dirigiam mais à Companhia Telefônica, embora, numa carta natalina
enviada ao "New York World",
tenha desejado que todos pudessem se reunir na paz e na felicidade, "exceto o sujeito que inventou
o telefone".
Twain gostava de acentuar que
teve vida desregrada, a qual lhe
garantiu alcançar muita idade.
"Transformei em lei não fumar
mais de um charuto por vez" e "se
os outros bebem, gosto de colaborar", disse num discurso que fez
durante um jantar em comemoração aos seus 70 anos.
Embora aqui e ali mostre um
tom mais amargo contra a "maldita raça humana", no mais a pena da galhofa é leve e não incomoda o arcabouço da sociedade moderna. Se seu traço não é do destempero, seu humor também não
causa devastação. Amenidades
para a mesa do chá, temperando
os acepipes cotidianos de ontem e
de hoje.
Dicas Úteis para uma Vida Fútil: Um Manual para a Maldita Raça Humana
Autor: Mark Twain
Tradução: Beatriz Horta
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 39,90 (220 págs.)
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