São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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HUMOR

Coletânea enfatiza sátira de Mark Twain

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Ele tinha problemas com a telefonia, com o transporte urbano, com o serviço dos hotéis, com a educação dos filhos e com alarmes antifurto (e com os ladrões, é claro). Realmente, passados mais de cem anos, a julgarmos pelas considerações de Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido pelo pseudônimo de Mark Twain (1835-1910), pouco mudou no universo das aflições da burguesia.
Mark Twain foi o mais famoso escritor americano de seu tempo. Atravessou o Atlântico 29 vezes, muitas das quais para ministrar suas disputadas palestras. Era ainda mais amado na Inglaterra do que em sua terra natal. No Brasil, foi um dos dois escritores estadunidenses vivos que os membros da Academia Brasileira de Letras puderam lembrar, em 1899, segundo relato de José Veríssimo. Quem era o outro, ele não menciona. Quem sabe nenhum outro nome tenha acudido aos acadêmicos.
É esse lado outrora mais famoso, de satirista e polemista -Twain chegou a ser chamado de "o moralista do leste" que esta coletânea de "Dicas Úteis" pretende enfocar. Preparado por uma equipe especializada no escritor, da Universidade da Califórnia, o livro contém textos famosos, alguns pouco republicados e certa coisa inédita.
Dos manuscritos do acervo de Twain, por exemplo, destaca-se um texto onde ele conta que, em sua infância, à margem do Mississippi, os médicos cobravam US$ 25 por ano para cuidar da família toda. Purgantes e sangrias seguidas de emplastros de mostarda eram algumas das panacéias. Não havia dentistas. Se necessário, o próprio médico pegava do boticão e arrancava o dente. "Se a gengiva ficava, não era culpa dele", relata.
Trata-se de uma das poucas notas mais passadistas; as outras costumam manter o foco no presente. Aquele presente. Twain pode ser um caipira, mas sem dúvida não deixava de ter sua relação de amor e ódio com as novidades da indústria.
Foi um dos primeiros moradores de Hartford a ter telefone, instalado em dezembro de 1877 (O invento de Graham Bell é do ano anterior). Desde então, não se cansou de praguejar contra a inovação tecnológica, que quase sempre funcionava mal, quando funcionava. Suas farpas se dirigiam mais à Companhia Telefônica, embora, numa carta natalina enviada ao "New York World", tenha desejado que todos pudessem se reunir na paz e na felicidade, "exceto o sujeito que inventou o telefone".
Twain gostava de acentuar que teve vida desregrada, a qual lhe garantiu alcançar muita idade. "Transformei em lei não fumar mais de um charuto por vez" e "se os outros bebem, gosto de colaborar", disse num discurso que fez durante um jantar em comemoração aos seus 70 anos.
Embora aqui e ali mostre um tom mais amargo contra a "maldita raça humana", no mais a pena da galhofa é leve e não incomoda o arcabouço da sociedade moderna. Se seu traço não é do destempero, seu humor também não causa devastação. Amenidades para a mesa do chá, temperando os acepipes cotidianos de ontem e de hoje.


Dicas Úteis para uma Vida Fútil: Um Manual para a Maldita Raça Humana
  
Autor: Mark Twain
Tradução: Beatriz Horta
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 39,90 (220 págs.)


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