São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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CRÍTICA CIÊNCIA POLÍTICA

Tocqueville revela como funciona uma revolução

Revoltas populares no mundo árabe conferem nova atualidade a clássico

OTAVIO FRIAS FILHO
DIRETOR DE REDAÇÃO

Clássicos são os livros que se renovam a cada época. A onda de revoltas populares em curso no mundo árabe confere nova atualidade a esta reedição das memórias de Tocqueville em torno da Revolução de 1848 na França.
Deputado e ministro durante aquele período tumultuoso, Tocqueville redigiu as recordações quando o advento da ditadura de Napoleão 3º (1851) lançou políticos moderados como ele no ostracismo. Não pretendia publicá-las, o que terá contribuído para o tom confessional adotado no escrito.
Mas este não é apenas o relato minucioso de uma revolução enquanto se desenrolava, nem seu autor foi somente um parlamentar liberal-conservador.
Alexis de Tocqueville (1805-1859) é um dos principais pensadores políticos da modernidade.
Sua crítica à democracia de massas, imbuída de admirável argúcia histórica e sociológica (embora lhe faltasse a dimensão econômica), ecoa até hoje. E seu texto é o de um escritor, sem abstrações nem jargão acadêmico.
A ideia essencial de Tocqueville é que a modernidade acarreta necessariamente a democratização do poder político e a redução das desigualdades. Desse aspecto desejável decorrem, porém, dois riscos. O primeiro é que a maioria venha a exercer uma forma inédita de ditadura "democrática", capaz de suprimir a liberdade e o direito à discordância.
O outro risco é que um líder populista (ele pensava em Napoleão 3º, modelo de autocrata moderno também para Karl Marx) possa encarnar a vontade da maioria, legitimando-se por mecanismo plebiscitário até converter a ditadura "democrática" em despotismo pessoal.
Além da Grande Revolução de 1789, houve revoltas democratizantes na França em 1830 e em 1848 (haveria outra em 1870). Tocqueville insiste que todas essas insurreições são "apenas uma (...) que nossos pais viram começar e, segundo toda probabilidade, nós não veremos terminar."
A revolução é sempre a mesma porque seu sentido igualitário não muda. Mas é também a mesma por gerar mitos e ilusões que se repetem a cada onda.
Assim, toda revolução segue um movimento pendular, em que a ruptura inicial se acelera numa direção cada vez mais extrema.
Alcançado, porém, um enigmático ponto de saturação, o pêndulo se detém e começa um brutal movimento na direção inversa, rumo à restauração. Essa é a farsa que se repete; seu saldo histórico não é nulo, pois a restauração nunca é completa. No entanto, a comédia é também tragédia pela sanguinolência inevitável dos acontecimentos.
Como conservador que era, Tocqueville preferia a lenta evolução dos costumes, a sedimentação cumulativa das experiências, que as revoluções expressam e impulsionam, mas também desbaratam.
Ao lado de "Democracia na América" e "O Antigo Regime e a Revolução", seus dois livros famosos, as "Lembranças de 1848" não deveriam faltar na estante do estudioso de história ou ciência política. E são leitura prioritária para quem quer conhecer o mecanismo das revoluções e a dança macabra que ele comanda.

LEMBRANÇAS DE 1848
AUTOR Alexis de Tocqueville
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Modesto Florenzano
QUANTO R$ 28,50 (392 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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