São Paulo, quinta, 27 de agosto de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cartas mostram diferenças entre Guarnieri e Andrade

CARLOS BOZZO JUNIOR
especial para a Folha

Hoje, Laís de Souza Brasil e Tânia Camargo Guarnieri, filha do compositor Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993), fazem o show de lançamento do disco "Camargo Guarnieri Sonatas nšs 2, 3 e 4" no clube A Hebraica em São Paulo, às 21h. A viúva do compositor, Vera Sílvia Camargo Guarnieri, mostrou, durante entrevista à Folha, uma correspondência entre o pianista e o escritor modernista Mário de Andrade nos anos 30, quando ambos discutiam a "Sonata nš 2" ponto a ponto.
Guarnieri tinha um gosto pessoal pelas dissonâncias e tornou-se mestre nas ditas dissonâncias doces. Porém, ao mostrar a partitura da "Sonata nš 2", ainda sem as marcações de dinâmica, para Andrade, o maestro foi mal interpretado por seu amigo e mentor. O equívoco gerou essa troca de cartas.
Vera disse que Andrade, após ouvir a sonata em um recital, classificou a obra de uma maravilha, ao contrário do que havia escrito nas cartas. Sob o espanto do maestro, afirmou: "Se antes disse, agora desdigo!"

especial para a Folha

A viúva de Camargo Guarnieri, Vera Sílvia Guarnieri, 58, guarda, em sua casa, em São Paulo, cartas escritas por Mário de Andrade, endereçadas a Guarnieri, em que o escritor critica duramente a "Sonata nš 2", além de abordar assuntos como estética musical, possibilidades de empregos e o turbulento estado emocional de Andrade, durante o tempo em que morou no Rio.
Em entrevista à Folha, Vera disse pretender um dia publicá-las.

Folha - O que seu marido comentava sobre o relacionamento dele com Mário de Andrade?
Vera Sílvia Camargo Guarnieri -
Guarnieri tinha 21 anos, quando conheceu o Mário. Naquela época, ele não havia estudado muito, por ter vindo de uma família de poucas posses. E, por isso, se considerava -palavras dele- um ignorantão.
Eles foram apresentados pelo pianista Antonio Munhoz, e depois do Guarnieri ter tocado algumas de suas composições, Mário disse: "Finalmente chegou aquele que eu estava esperando".
O Mário, que não emprestava livros a ninguém, logo reconheceu o talento de Guarnieri e abriu as portas de sua biblioteca para ele estudar.Guarnieri dizia ser muito afortunado por ter tido dois pais: o pai biológico, Lamberto Baldi, e Mário de Andrade. Por causa do Mário, Guarnieri foi para a faculdade estudar filosofia. Tenho algumas cartas que revelam muito bem o relacionamento deles.
Folha - Além disso, de que tratam essas cartas?
Vera -
São cartas inéditas que tratam de estética musical a outras coisas mais particulares, como a época em que o Mário morava no Rio e queria voltar para São Paulo.
Folha - Quantas são?
Vera
- Vinte e poucas. Não são muitas porque ambos moravam na mesma cidade. Mas, quando o assunto era polêmico, o Mário, mesmo de São Paulo, as escrevia. No fundo, ele sabia que as cartas dele um dia seriam publicadas.
Folha - A sra. vai fazer isso?
Vera -
Quero muito publicá-las. Mas, como o número de cartas não é grande, o livro seria muito pequeno. O Mário deixou uma declaração de que as cartas recebidas por ele não poderiam ser abertas até 50 anos após sua morte, prazo completado em 95. Então eu gostaria de ter uma colaboração do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), onde o acervo do Mário está, para conseguir a liberação das cartas, que contêm as respostas do Guarnieri para ele. Isso tornaria o volume mais interessante. (CBJ)

Disco: Camargo Guarnieri Sonatas nš 2, nš 3 e nš 4
Intérpretes: Laís de Souza Brasil e Tânia Camargo Guarnieri
Lançamento: Mix House
Quanto: R$ 18, em média

Concerto: Camargo Guarnieri Sonatas nšs 2, 3 e 4
Intérpretes: Laís de Souza Brasil e Tânia Camargo Guarnieri
Onde: A Hebraica, auditório Anne Frank (r. Hungria, 1.000, Pinheiros, tel. 246-1208)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: entrada franca
Patrocínio: Duráveis Equipamento de Segurança



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.