São Paulo, sábado, 27 de setembro de 1997.



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CANUDOS
População de Junco do Salitre (BA), cenário do longa, diz que trabalhou 18 horas diárias nas filmagens
Figurantes receberam apenas R$ 5 por dia

LUIZ FRANCISCO
em Junco do Salitre

Cenário do filme "Guerra de Canudos", o distrito de Junco de Salitre (BA) chama mais a atenção pela pobreza de seus moradores e falta de infra-estrutura do que por ter sido palco das gravações do conflito ocorrido no sertão baiano no final do século passado.
Os combates provocaram as mortes de 25 mil pessoas -20 mil seguidores de Antônio Conselheiro e 5.000 soldados.
Localizada a 30 km do centro de Juazeiro, Junco do Salitre é o retrato da miséria que predomina na maioria das cidades e povoados do interior baiano.
As 150 casas do distrito não possuem saneamento básico -esgoto, banheiros, água encanada e ruas pavimentadas.
"Temos que andar três quilômetros por dia para pegar água em um poço artesiano", disse Maria Fidélio de Oliveira, 47.
O posto médico está desativado, e o acesso ao povoado é precário -11 km de estrada de terra esburacada separam Junco do Salitre do asfalto.
"Canudos não tinha estrutura para abrigar os atores e os 10 mil figurantes da produção", disse o diretor do filme, Sérgio Rezende.
Acostumados ao desemprego e à pobreza, os moradores de Junco do Salitre também não conseguiram melhorar de vida durante as gravações, época em que toda a população adulta do povoado (300 pessoas) esteve envolvida de alguma forma nas filmagens.
O jardineiro Olívio de Aquino Barros, 64, disse que passou fome e sede durante as filmagens. "Os figurantes receberam apenas R$ 5 por dia trabalhado, o que é uma verdadeira miséria."
O dia de trabalho para os figurantes de "Guerra de Canudos" tinha, em média, 18 horas. "Nós acordávamos às 4h, para dar tempo de trocar de roupa e tomar o café no povoado antes das 7h, e voltávamos para casa somente às 22h", disse o jardineiro.
Barros acrescentou que os figurantes reivindicaram um aumento de cinco vezes no valor das diárias. "Eles alegaram que o orçamento era pequeno e que havia muitas despesas."
O estudante Gersino da Costa Ribeiro, 18, também não ficou satisfeito com os R$ 5 recebidos por cada dia de trabalho. "O dinheiro que ganhei nas filmagens não deu para pagar o sabão usado para lavar minhas roupas, que ficavam sujas e empoeiradas."
Quem trabalhou como pedreiro na construção das 500 casas, três igrejas, uma praça, ruas e becos do arraial de Canudos recebeu R$ 15 por dia. Ao término das filmagens, as construções foram destruídas.
"O pagamento foi feito em dia, mas no último mês os produtores me deram calote de R$ 70", disse o pedreiro Cosme Lopes da Silva, 48.
Apesar das reclamações, os figurantes ficaram satisfeitos pela participação nas filmagens. "Uma das maiores emoções da minha vida será quando eu me ver no filme", disse o jardineiro Barros.
O assessor de imprensa da prefeitura de Juazeiro (500 km de Salvador), Moacir Alexandrino dos Santos, 55, disse que as filmagens de "Guerra de Canudos" proporcionaram emprego temporário aos moradores de Junco do Salitre.
"Depois das gravações, a população do distrito voltou a conviver com a miséria", afirmou.
Segundo o assessor, os gastos realizados pela produção no distrito foram importantes para melhorar a distribuição de renda em Junco do Salitre.
Os produtores do filme disseram que fizeram uma pesquisa na região para estabelecer o valor do pagamento aos figurantes.
Segundo os produtores, todas as pessoas que trabalharam no filme receberam o que foi combinado.



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