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TEATRO
"Nostalgia" representa balanço de vida e carreira
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Nostalgia" é quase um
déjà vu. Não que isso desabone a peça: afinal, temos aqui
de novo os mesmos elementos
que tanto impacto causaram em
"A Vida É Cheia de Som e Fúria",
espetáculo que revelou Felipe
Hirsch para o público paulista.
Uma colcha de retalhos multimídia, ao estilo de Robert Lepage,
que ousa na trilha eclética (de
Frank Sinatra a Nirvana), na projeção de imagens marcantes de
jornal que costura evocações pessoais a citações literárias (com referências em geral dadas em cena,
de Shakespeare a Paul Auster,
mas às vezes não, como o "Ah, juventude..." de O'Neill, que amarra
todo o espetáculo).
O fio narrativo, por ser simples,
não se rompe, porém, com tantas
referências: Artur, o narrador-participante, tal Thomas Wingfield de "À Margem da Vida", expõe sua nostalgia à platéia, misturando o que leu e ouviu ao que viveu, e, se sua vida não foi nada excepcional, sua reflexão sobre ela,
tão bem embasada, seduz. Guilherme Weber, alter ego de
Hirsch, constrói bem o humor
melancólico marcante de Artur,
sobretudo ao contracenar com o
carisma de Erica Migon, a musa
"dark" Isabel, em momentos dignos das tiras de Charlie Brown.
Paulo Alves é bastante polivalente
ao encarnar tanto o tímido tio Leo
quanto a hilária avó dona Eva.
A técnica é impecável, o que é
imprescindível para a aposta de
Hirsch. A cenografia de Daniela
Thomas, como que contribuindo
com sua nostalgia pessoal, traz de
volta os telões com os quais foi co-responsável pela inesquecível primeira fase de Gerald Thomas. Luz
e figurino reforçam uma precisão
caleidoscópica do roteiro, e a escolha do narrador estar de terno
mesmo ao se apresentar aos 13
anos é uma interessante metáfora
sobre a memória.
Um espetáculo sofisticado, no
que a palavra tem de positivo e
nem tão positivo. Não se quer dizer aqui que erra o Sesi ao abrir ao
"cult" um espaço em geral dedicado ao "popular". Muito pelo contrário: a platéia cativa do teatro
não se deixa intimidar pela embalagem e parece seguir as reflexões
de Artur com a mesma prontidão
com que ri das piadas sujas de sua
avó. Mas é de sua mãe a frase
cheia de bom senso, que serviria
para o próprio Hirsch: por que
achar que não se pode conhecê-lo
antes de ter lido o que ele leu e ouvido o que ele ouviu?
Hirsch conquistou um estilo
próprio e um lugar entre os diretores de primeira linha. "Nostalgia" é um balanço dessa primeira
etapa. Resta agora, porém, o mais
difícil: despojar-se de tanta técnica, não sobrecarregar os atores
com tantas citações, confiar mais
no presente, no aqui-agora do
teatro, em suma. Não precisa
mais da arrogância da juventude.
Tem uma companhia e um público que confiam nele. Considerar
este espetáculo apenas como "regular" é confiar que o melhor ainda está por vir.
Nostalgia
Texto e direção: Felipe Hirsch
Com: Guilherme Weber
Onde: Teatro Popular do Sesi (av.
Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/284-3639)
Quando: de qui. a sáb., às 20h; dom., às
19h; até 2/12
Quanto: entrada franca
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