São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2001

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TEATRO

"Nostalgia" representa balanço de vida e carreira

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Nostalgia" é quase um déjà vu. Não que isso desabone a peça: afinal, temos aqui de novo os mesmos elementos que tanto impacto causaram em "A Vida É Cheia de Som e Fúria", espetáculo que revelou Felipe Hirsch para o público paulista.
Uma colcha de retalhos multimídia, ao estilo de Robert Lepage, que ousa na trilha eclética (de Frank Sinatra a Nirvana), na projeção de imagens marcantes de jornal que costura evocações pessoais a citações literárias (com referências em geral dadas em cena, de Shakespeare a Paul Auster, mas às vezes não, como o "Ah, juventude..." de O'Neill, que amarra todo o espetáculo).
O fio narrativo, por ser simples, não se rompe, porém, com tantas referências: Artur, o narrador-participante, tal Thomas Wingfield de "À Margem da Vida", expõe sua nostalgia à platéia, misturando o que leu e ouviu ao que viveu, e, se sua vida não foi nada excepcional, sua reflexão sobre ela, tão bem embasada, seduz. Guilherme Weber, alter ego de Hirsch, constrói bem o humor melancólico marcante de Artur, sobretudo ao contracenar com o carisma de Erica Migon, a musa "dark" Isabel, em momentos dignos das tiras de Charlie Brown. Paulo Alves é bastante polivalente ao encarnar tanto o tímido tio Leo quanto a hilária avó dona Eva.
A técnica é impecável, o que é imprescindível para a aposta de Hirsch. A cenografia de Daniela Thomas, como que contribuindo com sua nostalgia pessoal, traz de volta os telões com os quais foi co-responsável pela inesquecível primeira fase de Gerald Thomas. Luz e figurino reforçam uma precisão caleidoscópica do roteiro, e a escolha do narrador estar de terno mesmo ao se apresentar aos 13 anos é uma interessante metáfora sobre a memória.
Um espetáculo sofisticado, no que a palavra tem de positivo e nem tão positivo. Não se quer dizer aqui que erra o Sesi ao abrir ao "cult" um espaço em geral dedicado ao "popular". Muito pelo contrário: a platéia cativa do teatro não se deixa intimidar pela embalagem e parece seguir as reflexões de Artur com a mesma prontidão com que ri das piadas sujas de sua avó. Mas é de sua mãe a frase cheia de bom senso, que serviria para o próprio Hirsch: por que achar que não se pode conhecê-lo antes de ter lido o que ele leu e ouvido o que ele ouviu?
Hirsch conquistou um estilo próprio e um lugar entre os diretores de primeira linha. "Nostalgia" é um balanço dessa primeira etapa. Resta agora, porém, o mais difícil: despojar-se de tanta técnica, não sobrecarregar os atores com tantas citações, confiar mais no presente, no aqui-agora do teatro, em suma. Não precisa mais da arrogância da juventude. Tem uma companhia e um público que confiam nele. Considerar este espetáculo apenas como "regular" é confiar que o melhor ainda está por vir.


Nostalgia
  
Texto e direção: Felipe Hirsch
Com: Guilherme Weber
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/284-3639) Quando: de qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h; até 2/12
Quanto: entrada franca




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