São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2001

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MOACYR SCLIAR

Feira é uma festa antiga e necessária para a literatura

SÃO muito antigas, as feiras: existem, pelo menos, desde a Idade Média. E se duraram tanto tempo é porque preenchem uma dupla necessidade: de um lado, oferecem coisas de que as pessoas precisam, a preços muitas vezes convenientes; de outro lado, dão oportunidade a que esse comércio se realize em clima informal, de festa mesmo. Feira é festa. E feira do livro é festa do livro. Mas, alguém perguntará, o livro precisa de festa? Precisa, sim. Porque, sobretudo para os jovens, o livro é um objeto intimidante, como se pode constatar observando um adolescente numa livraria. Ele se move com certo receio, como se estivesse num ambiente solene. E fica cheio de dedos ao falar com o vendedor, com medo de dizer uma bobagem.
Essa complicada relação com o objeto livro tem uma história. Durante muito tempo, a palavra escrita foi símbolo de poder, de um poder concentrado nas mãos de poucos. Hoje o livro é algo comum, mas essa aura que veio do passado persiste, ao menos em países como o nosso. Com seu clima de informalidade, a feira do livro ajuda a dissipar esse temor. Mais: cria um clima de familiaridade com a cultura do texto.
A feira é, por exemplo, uma oportunidade de encontrar escritores: nas sessões de autógrafos, nas palestras, até em encontros casuais. Isto contribui para desmistificar essa misteriosa, augusta entidade chamada Escritor (assim mesmo, com E maiúsculo). Entidade que aliás é produto de muitas décadas de equívoco na introdução do jovem à literatura.
Para a escola do passado, escritor bom era escritor morto, de preferência morto há séculos. Os alunos nunca pensavam no autor como uma pessoa normal, uma pessoa que conversa, que conta coisas de sua vida e de seu trabalho. Esse distanciamento obviamente se estendia ao livro.
Essas coisas estão mudando, porque o país está mudando. O ensino da literatura tornou-se mais vivo, mais dinâmico. As editoras perderam um certo ranço aristocrático, herança do passado: profissionalizaram-se, estão aprendendo a conquistar leitores, sobretudo os jovens leitores. O mesmo aconteceu com as livrarias.
As feiras do livro, como a de Ribeirão Preto, são os eventos que sintetizam essa transformação toda. As feiras convidam, as feiras atraem -as feiras funcionam: basta ver a desenvoltura com que a garotada ali se move. As feiras são um ambiente de permanente alegria, de festa. Uma celebração do livro como fonte de cultura e de emoção.


MOACYR SCLIAR, 64, é colunista da Folha e autor de "O Exército de Um Homem Só" e "O Carnaval dos Animais", entre outros

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