São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Não quero estar neste lugar"

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Da esq. para a dir., Herbert Vianna, Barone e Bi Ribeiro, dos Paralamas, que lançam 'Longo Caminho'



Em entrevista, Herbert Vianna, que já anda um pouco com ajuda de aparelhos, mostra música inédita feita depois do acidente e fala da volta dos Paralamas ao CD, com "Longo Caminho", e aos palcos


IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

"Não quero estar/ Neste lugar/ E ver você partir/ Eu quero te esperar onde você quer ir" é a primeira estrofe da primeira e única canção que Herbert Vianna, 41, escreveu após o acidente que matou sua mulher, Lucy Needham, em 4 de fevereiro de 2001.
Pelo menos por enquanto, o fã dos Paralamas do Sucesso não vai escutá-la nas rádios, já que a banda resolveu lançar o novo CD, "Longo Caminho", apenas com as canções que já estavam compostas antes do acidente.
Além do CD, outra boa notícia é que Herbert Vianna se recupera com velocidade e qualidade maiores que o normal. "Hoje ele consegue caminhar pequenas distâncias usando aparelhos nas pernas e apoio de barras paralelas ou andador", afirmou a neuropsicóloga Lúcia Willadino Braga (leia texto nesta página).
Em razão do lançamento do disco, nesta semana, Vianna e seus colegas de banda romperam o silêncio que mantiveram por um ano e meio. A campanha de lançamento do disco começou no domingo passado, com uma reportagem de 12 minutos que foi exibida no "Fantástico", na Rede Globo. Na segunda-feira, foi a vez de algumas rádios divulgarem entrevistas pré-gravadas pela assessoria da banda.
Na terça, foi realizado um show no Projac, estúdio da TV Globo, que irá ao ar nos próximos três domingos, também no "Fantástico". Na quarta-feira, os Paralamas concederam entrevistas aos jornais.
Ontem foi dia de estréias: da música "O Calibre" nas rádios e da campanha publicitária criada por Washington Olivetto nas TVs. E hoje é dia de ler a entrevista que segue abaixo.

Folha - Vocês disseram que as letras e músicas do novo CD já estavam compostas quando ocorreu o acidente. A pergunta é: após passar por uma situação tão violenta e extrema, por que não colocar isso em música?
Herbert Vianna -
Isso está presente na minha cabeça e atualmente enfrento uma batalha para compor como eu sempre compus, sem a pressão de uma idéia ou de um título. Muitas vezes eu toco uns acordes, começo a cantarolar uma melodia, e vejo eu mesmo atrás de mim, com os braços cruzados, dizendo: "não, essa aí não é boa", "essa aí é besteira", "essa aí não sei o quê". Enfim, eu tenho um rabisco de uma canção e é a única coisa que me ocorreu até agora.

João Barone - Nome é um negócio que vem por último.

Folha - Mas há algum trecho da letra que você queira falar?
Vianna -
Tem uma coisa meio autobiográfica, assim... (Começa a tocar guitarra e cantar) Não quero estar/ Neste lugar/ E ver você partir/ Eu quero te esperar onde você quer ir/ Te receber/ Te acomodar/ Te oferecer a mão/ Te ouvir cantar e acompanhar ao violão/ Quero te ver de perto/ Quero dizer que o nosso amor deu certo/ Quero te ver de perto...

Folha - E por que a decisão de não gravar?
Vianna -
Eu dou tratos à bola. Por exemplo, com essa canção, e com coisas que eu compus e só foram gravadas por outras pessoas -e nunca pelo Paralamas-, isso é, para mim, um ponto de vista inicial de um disco, se não sair mais nada. Se a gente não tiver mais nenhuma coisa nova, essa seria a possibilidade de um bom disco.

Folha - Você acha que pode não compor mais? Sente isso?
Vianna -
Eu considero a possibilidade. Não que eu sinta algo que me diga "não vai sair mais nada", mas considero a possibilidade. Agora, eu estou como sempre: ciscando muito, fazendo uma procura bastante intensa e que ainda não rendeu muitos frutos.

Barone - Posso falar uma coisa sobre isso? Na verdade, o Herbert considerou a possibilidade de nunca mais escrever nada desde o primeiro disco. Ele sempre foi um cara muito aflito, sempre quis ver na frente. Então, por causa de tudo o que aconteceu, temos toda a tranquilidade de deixar a coisa fluir no ritmo mais natural possível. Se a gente não conseguir cantar mais nenhuma música inédita daqui para a frente, sei lá, a gente toca as velhas (risos).

Folha - Você já declarou diversas vezes não se lembrar do acidente. Como ficou sabendo?
Vianna -
Foi passo a passo...

Bi Ribeiro - Na época em que os médicos estavam perto, ele nem estava ainda muito apto para avaliar o que tinha acontecido. Acho que foi mais o momento em que ele voltou para casa, e aos poucos foi se atendo. De dizer que a Lucy não estava lá.

Folha - Foi confirmado que outros ultraleves do mesmo modelo tiveram problemas estruturais. Ao mesmo tempo, o juiz encarregado do caso não quis arquivar o inquérito por entender que havia indícios de homicídio doloso. Você se sente ou já se sentiu responsável pelo acidente?
Vianna -
Absolutamente não. E te digo que eu não serviria para me defender nesse aspecto, porque eu não tenho nenhuma lembrança. Agora, aos poucos, me vêm algumas lembranças. Não de voar, mas do interesse, do entusiasmo que eu tinha.

Ribeiro - Isso é uma coisa muito delicada, que envolve essa questão do ocorrido. Uma semana antes do acidente do Herbert, eu voei com ele no avião. A gente foi do Rio até Parati. E nós, que conhecemos o Herbert, sabemos que ele é um cara correto, que jamais faria uma coisa impensada. Fomos dentro de todos os padrões de segurança e boa conduta. Para mim, isso prova que alguma coisa de muito errada aconteceu naquele dia. Tem o precedente também de outros aviões terem apresentado falhas e que todos eles foram orientados a não decolar.

Folha - Algumas de suas melhores músicas demonstram preocupações sociais com o Brasil e a miséria. Você já pensou na possibilidade de ter sofrido um acidente como esse e não ser "o" Herbert Vianna, um cara famoso e com recursos? Se você fosse um brasileiro qualquer.
Vianna -
Penso bastante. É uma coisa bastante presente. Eu penso em eventualmente dirigir o esforço e a atenção para ajuda, para chamar alguma luz para esse universo, onde as pessoas que tenham tido um acidente e não tenham recursos. Vejo com muita gratidão aos céus.

Folha - Como se sente ao subir ao palco sentado em uma cadeira de rodas?
Vianna -
Bom... Eu me sinto muito bem. Descontada a dor, voltar é como um sonho. Como um filme ideal no qual você escolhesse um personagem. Aí, você faria com que esse personagem sofresse, passasse lá perto da morte. Aí, tivesse um começo de recuperação, empenho, e aí voltasse com a coisa que ele faz melhor, a coisa que ele tem mais no coração. E fosse alegria. É muito ideal, muito idealista mesmo.

Folha - E como esse filme se chamaria?
Vianna -
A volta...

Barone - A volta dos que não foram (risos).

Vianna - A volta dos velhos. Viva os velhos (risos).


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Crítica: "A vida continua" é o recado da banda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.