São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

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Comida

Cientistas dos sabores

O francês Hervé This , que vem para São Paulo em outubro, fala à Folha sobre a gastronomia molecular , sua criação que influenciou alguns dos maiores chefs do mundo, como Adrià e Blumenthal

JOSIMAR MELO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Habituado a percorrer mercados e restaurantes em Paris, desta vez me vi nos corredores antigos do College de France (que os franceses associam em importância ao MIT americano), na margem esquerda do Sena. Esse importante centro de pesquisa sedia três grandes laboratórios -um dos quais dedicado à gastronomia molecular. Que vem a ser uma criação de meu anfitrião, um homem alto, vivo, guarnecido por camisas sem gola abotoadas até o pescoço, os cabelos ligeiramente revoltos, o único indício de que ele é um cientista.
Trata-se do físico-químico Hervé This, que estará em São Paulo no final de outubro para o lançamento de três números da edição brasileira da revista "Scientific American" dedicados a ele (com os temas "A química e a física invadem a culinária", "Corpo, máquina de comer" e "A revolução das panelas") e para proferir três palestras.
Ele mostra as complexas máquinas de onde saem descobertas que influenciam a vanguarda da cozinha mundial. Uma RMN 300 MHz ("maravilhosa, faz mil coisas, como identificar a constituição atômica das moléculas, identificar os constituintes de um caldo"); um aparelho de eletroforese capilar ("analisa quantidades minúsculas de misturas"); outro de espectroscopia ultravioleta...
Comida? Nem pensar. A não ser uma cebola perdida numa das muitas salas. "Aqui não cozinhamos, pesquisamos; e a ciência trabalha com porções ínfimas dos produtos", diz (mostra um microdedal com um nada de suco de cenoura).
Seus assistentes rabiscam cálculos assustadores como as máquinas. Mas tudo isso é a coroação do trabalho que This começou há 27 anos, com Nicholas Kurti (já morto), físico húngaro radicado na Inglaterra, organizando workshops da nascente gastronomia molecular. Ciência divulgada por livros do próprio This (como "O Cientista na Cozinha", editora Ática, 240 págs., R$ 36); por autores como o americano Harold McGee ("On Food and Cooking"); e pela aplicação de suas descobertas em suas cozinhas pelos chefs mais falados da atualidade, como o catalão Ferran Adrià (do El Bulli) e o inglês Heston Blumenthal (do The Fat Duck), cujos trabalhos passaram a ser conhecidos como "cozinha molecular" -título que não agrada a eles, mas que a mídia consagrou.
Em entrevista à Folha, This comenta as diferenças entre seu trabalho e o dos chefs e revela que prefere dar aulas a comer bem.

 

CIÊNCIA E TECNOLOGIA Gastronomia molecular é ciência, ou seja, produz novos conhecimentos sobre os mecanismos dos fenômenos por meio do método experimental. A ciência se faz num laboratório, o que não é o que Ferran Adrià faz; o "laboratório" de Ferran é um ateliê, onde se criam receitas. E seus "cientistas" são pessoas formadas em ciência que fazem sua aplicação, ou seja, fazem tecnologia. Não sei por que os cozinheiros haveriam de fazer ciência, já que esta só produz conhecimento, e não novos pratos.

COZINHA MOLECULAR Chefs não fazem gastronomia molecular (a ciência), mas cozinha molecular, que utiliza novos equipamentos, ingredientes, métodos, que são às vezes simples: por exemplo, para filtrar um caldo no lugar de clarificá-lo só é preciso um filtro!

INFLUÊNCIA NO DIA-A-DIA Os trabalhos do laboratório são utilizados principalmente pelos restaurantes, mas o que me interessa é que o sejam por todo mundo, no dia-a-dia. Eis porque "invenções" como o chantilly de chocolate [feito só de chocolate, sem creme de leite] me parecem tão interessantes. Você pode ver que qualquer um, não somente um chef, pode fazer as receitas que Pierre Gagnaire [chef do restaurante homônimo em Paris] coloca no seu site a partir de minhas "invenções". Não me interesso pela indústria de alimentos... mas sei que ela se interessa muito pelo que fazemos.

BLUMENTHAL, ADRIÀ, GAGNAIRE Há uma grande diferença entre Ferran e Heston, de um lado (com Grant Achatz [do Alinea de Chicago], Wylie Dufresne [do wd 50 de Nova York] etc.) e Pierre Gagnaire. Este não usa material ou ingredientes especialmente novos, seu trabalho não é tecnológico como o deles.

PREFERÊNCIAS Não sei como falar da comida desses três chefs. Só comi a comida de Ferran uma vez, faz muito tempo, e só conheci o pub de Heston, não o Fat Duck. Só conheço bem a cozinha de Gagnaire, que é aqui pertinho. Lamento dizer que sou muito mais feliz quando eu produzo conhecimentos novos do que quando eu recebo algo numa refeição. Eu poderia ir ao Pierre toda semana, mas sou mais feliz quando estou contribuindo para formar estudantes interessantes, escrevendo livros, artigos, fazendo conferências...


O jornalista JOSIMAR MELO viajou a convite do hotel Le Meurice e da TAM


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