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TELEVISÃO-CRÍTICA
Faustão e Gugu, a guerra perdida
SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada
Já que esta deve ser -para o bem
e para o mal- a quinzena Caetano
Veloso na imprensa, vale lembrar
que o Sonho de Brasil do tropicalismo, que na medida do possível
se contrapunha ao Projeto de Brasil Grande dos militares, passava
pelo programa de auditório.
Menos ironicamente e mais sintomaticamente do que gostamos
de pensar, um dos pontos de intersecção dos dois lados era Chacrinha. Sim, o homem-auditório, o
pai de Fausto Silva (Globo) e Gugu
Liberato (SBT).
Pioneiro do "sistema" a dar voz
e público ao movimento dos baianos, o animador agradava ao mesmo tempo ao cravo e à ferradura:
seu programa, na Globo, servia ao
plano de integração nacional do
regime, mas sua anarquia dava
inspiração aos tropicalistas.
A diferença, então e agora, está
nas intenções. E, antes que os práticos de plantão gritem, é preciso
dizer que é mais profunda do que o
axioma de Nelson Rodrigues -segundo o qual o que distinguia o Cinema Novo do cinema "normal"
era que os dois tinham Grande
Otelo como estrela, mas, no primeiro, o ator aparecia pelado.
Pode-se discutir se Faustão é Gugu, e se ambos são Chacrinha, mas
não é passível de sofismas o fato de
que havia um movimento cultural,
uma intenção de mudança, um
pensamento ali, enquanto agora o
imediato, o comercial e sua consequente falta de reflexão regem a
história. Estamos mais pobres.
Atenção, não se trata de gosto. O
óbvio seria dizer que, na Grande
Guerra da Audiência Dominical, o
bom gosto é a primeira vítima. Bobagem. O mau gosto é bem-vindo
e em certa medida até desejável.
Como lembra o jornalista Carlos
Calado no livro inédito "Tropicália - Uma Revolução Musical", o
tropicalismo atirava bananas ao
público, enquanto o faustismo entrega sushis em bandejas nuas e o
guguismo põe Tiririca a tirar sabonetes de tanga. Não é esse o ponto.
Somos um país adolescente, é
óbvio que ainda vale tudo, do nu
frontal da japonesa às 17h15 de ontem, na maior TV aberta do país,
aos peitos da cantora de axé no
mesmo horário, na vice-líder.
Vale tudo, desde que, como diz
Luis Fernando Verissimo, não assuste os cavalos na estrebaria. Ou
seja, que a luta seja de igual para
igual: crianças e deficientes mentais, por exemplo, estariam fora,
embora o guguismo e o faustismo
nem sempre levem isso em conta.
(Num quadro que estreou ontem, "Sentindo na Pele", Gugu Liberato se fazia passar por mendigo
nas ruas de São Paulo e tentava
alugar um bebê de uma pedinte
verdadeira. Terminava a história
fingindo chorar. A metáfora é
muito óbvia para ser feita...)
De certa maneira, a correlação de
forças, a tensão entre o tropicalismo dos baianos e o Brasil Grande
dos militares deu em Fausto/Gugu. Desligada a TV na noite de ontem, ficou claro -e o gosto é
amargo- quem ganhou a guerra.
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