São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2001
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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO A rota da mudança
FRANCESCA ANGIOLILLO DA REPORTAGEM LOCAL É como se estivéssemos num trem que deixa a plataforma, empreendendo uma viagem que repetimos já várias vezes: a cada vez que olhamos a cidade de partida, vemos mudar um galho de árvore, a cor de uma parede, as roupas dos que acenam na estação. Esse é o espírito de "Plataforma", segundo longa do chinês Jia Zhang-ke, que desembarca por aqui na Mostra de SP. Partindo de Fenyang, cidadezinha no interior da China, na província de Shanxi -onde o diretor nasceu, em 1970-, "Plataforma" abarca o período entre 1979 e 1989, a década de mudanças promovidas por Deng Xiaoping. "Quando nasci, a China ainda sofria pela Revolução Cultural. Até hoje, ela me dá uma impressão muito forte: crueldade", diz o diretor, em entrevista à Folha por e-mail, de Hong Kong, onde vive. "Em 1979, ano em que "Plataforma" tem início, começa também o tempo de Deng Xiaoping, com reformas econômicas e uma política de abertura. Toda a década de 80 é um movimento de mudança. Cresci nela, senti o crescimento do individual, é inesquecível." Um tempo que passa lentamente, trazendo mudanças sutis. Mas só na aparência: em retrospecto, vemos quão profundas foram. A sutileza se traduz na narrativa do cineasta. Admirador da poética doce-amarga do cinema italiano -de Fellini e De Sica- e do rigor do francês Robert Bresson, Zhang-ke opta por não marcar o tempo de maneira óbvia. "Quando olhamos para trás, vemos um tempo cheio de mudanças, a ideologia e a economia se abrindo", diz o cineasta. "Mas o mais importante é que só entendemos o que houve quando nos distanciamos dos fatos. Queria muito expressar essa inconsciência. Como você vê em "Plataforma", tudo muda muito devagar, tudo são pistas." A paisagem de Fenyang permanece imutável, com suas muralhas; mas, a cada vez que o grupo de teatro de que faz parte Min- liang, o personagem principal, retorna ao ponto de origem, descobrimos que o tempo passou. Mesmo no interior da China, as pessoas aderem às modas que chegam; se habituam à televisão, à música importada de Taiwan, de Hong Kong e do Ocidente. "De certo modo, nosso direito humano básico sofreu uma forma de exploração que penetrou a vida cotidiana; você não podia escolher seu penteado, sua roupa. Adotar os hábitos ocidentais era um meio de resistir ao estresse institucional. Eram as pessoas buscando o direito de escolher." O próprio grupo muda, deixando de ser estatal e de fazer propaganda do governo em suas peças. Muda também o impacto que alcança sobre os habitantes daqueles rincões escondidos. E, principalmente, vê sucumbir um modelo imposto pela Revolução Cultural -ainda que as consequências impliquem um certo desencanto. O título do filme vem de um hit muito popular nos anos 80. "Foi a primeira canção pop-rock que ouvi. Fala de um homem que espera pela amante, de esperança, expectativa. Para mim, ela é uma chave para revelar lembranças de minha juventude." Zhang-ke começou os estudos pela pintura, na Província onde nasceu. Mas "a forte necessidade de contar uma história" o levou a Pequim, onde cursaria cinema e fundaria a primeira produtora independente de seu país, em 95. "Nos anos 90, a coisa mais importante para o cinema chinês foi o filme independente. É um verdadeiro movimento, uma resposta à censura do governo e à cruel economia de mercado." Tendo concorrido em Berlim com o longa de estréia ("Xiao Wu - Pickpocket", de 97) e em Veneza com "Plataforma", Zhang-ke é censurado na China. "É realmente triste. Mas acredite: continuarei com minhas atividades criativas." PLATAFORMA - Zhantai. Direção: Jia Zhang-ke. Produção: China/Japão/ França, 2000. Com: Wang Hong-wei, Zhao Tao. Quando: amanhã, às 15h30, no Cineclube DirecTV; seg., às 12h, no Cinearte; e qua., às 18h10, no Cinearte. Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Frases Índice |
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