São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"LABORATÓRIO DE PERFORMANCES"

São Paulo abre espaço para utopia bem no centro da cidade

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Você já foi até a Dom José de Barros, esquina com a 24 de Maio? Lá, na fachada de um prédio em reformas, se ergue uma espécie de muro das lamentações invertido. Desempregados, office-boys, aposentados garimpam ofertas de emprego em cartazes escritos à mão. Lá funcionava uma grande loja de departamentos e, na calçada da frente, ainda se vê a laje de pedra sobre a qual, em 1983, Nelson Triunfo introduziu a dança de rua no Brasil.
Quinta, perto das 11h, um ambulante derrubou parte do muro de papel: um "engravatado" lhe recusara um emprego sonhado. Não notou que, entre os cartazes, havia uma mensagem cifrada: "El deseo/ Resbala. Resbala/ y corta./ Tratar com urgência aqui". Pena. Poderia ter transformado sua ira em dança se percebesse ser esse cartaz uma chave para a porta logo atrás dele: "Danças na 24. Entrada franca".
Essa porta permanecerá aberta das 11h às 17h. Quem se aventurar por ela encontrará na loja em descalabro convertido em maravilha por Daniela Thomas uma ampla pista de dança em torno de uma transparente escada rolante, sob a qual DJs alternam todo tipo de música, para que se possa dançar. Companhias de dança encorajam a população a se soltar.
Na quinta, a Companhia Quatro, de Cristiane Paoli Quito, fazia sala para a utopia. Cláudio Faria, trompetista-arquiteto, solava. Em um instante, Érica Moura se esgueira no chão para seduzir uma menina que se encolhia tímida. Perto dali, Tica Lemos ouve a longa história de um aposentado.
Para quem não dança, mas se deixa ficar, há livros. Dentro de uma câmara de plástico, uma atriz lê e deslê Deleuze. A curadoria do delírio é de Ricardo Fernandes, aquele que criou o "não-lugar" no Festival de Rio Preto.
Logo no primeiro dia o espaço já ostentava um bilhete que invertia a função perversa dos cartazes lá de fora: "Dá só um motivo para tanta alegria". Ora, cidadão, o motivo se cria dançando. Pergunte a esse dançarino de imensa cabeleira que dança diante da antiga vitrine da loja. Na rua, o aplaudem, enquanto ele se lembra emocionado do duro começo de seu percurso na laje em frente.


Laboratório de Performances     
Com: bailarinos e Djs revezam-se
Onde: Sesc (rua 24 de Maio, São Paulo, 0800-118220)
Quando: de seg a sex., das 11h às 17h; sáb., das 10h às 13h; até 1º/11
Quanto: entrada franca




Texto Anterior: Mônica Bergamo: Lugar ao sol
Próximo Texto: Da rua - Fernando Bonassi: Brasil brasileiro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.