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"Motoboys - Vida Loca" faz a mea-culpa entre motoristas da cidade
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Quando joga a favor, ele é o "anjo" que coloca documentos importantes na sua mesa a tempo,
entrega a pizza e torna casais mais
felizes com a chegada de flores.
Mas ele é também o capeta de
asas, sujeitinho folgado que "voa"
no congestionamento, passa raspando no espelho retrovisor do
seu carro e tasca com gosto a mão
na buzina e no farol alto.
"Motoboys - Vida Loca", que
será exibido hoje e amanhã na
Mostra, é um documentário que,
mais do que registrar o cotidiano
desse profissional urbano da paisagem de São Paulo, explicita
uma confusa relação de amor e
ódio.
"Trata-se de uma relação hipócrita. Ele é o cara que faz a cidade
andar mas, ao mesmo tempo, é o
mais odiado no trânsito", diz o diretor Caíto Ortiz, 32, aqui em sua
estréia em documentários.
Estima-se que entre 170 mil e
350 mil motoboys circulem pela
cidade atualmente. São, na grande maioria, profissionais sem vínculos empregatícios que chegam a
trabalhar durante 16 horas seguidas para receberem, em média,
R$ 750 mensais.
"Ele é o mais novo personagem
da cidade, veio para ficar e não
adianta achar ruim. O melhor a se
fazer é buscar uma convivência
mais pacífica", diz Ortiz.
Batalhas urbanas
Para contextualizar o cotidiano
dos motoboys, o filme parte para
a análise das desigualdades sociais, ao mesmo tempo que é um
estudo das neuroses dos paulistanos, que encontram seu ápice nos
enormes congestionamentos.
O publicitário Washington Olivetto, profissionais da CET, o psicoterapeuta Jacob Pinheiro Goldberg, o colunista da Folha Gilberto Dimenstein e o apresentador
Serginho Groisman são alguns
dos entrevistados. Há até um momento à Michael Moore [documentarista americano, de "Tiros
em Columbine"]: a não-entrevista. Aqui, Ortiz infiltra-se no meio
de uma sessão de cumprimentos
da prefeita Marta Suplicy com o
público para requisitar -sem sucesso- uma entrevista.
O filme também questiona os
dados oficiais da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).
Segundo esses estudos, a cada
dois dias, três motoboys morrem
na cidade. Após pesquisas, Ortiz
defende outro número. Segundo
ele, dois motoboys morrem por
dia. Para isso, ele levou em conta
não apenas as vítimas que morrem no local do acidente.
Vida louca
"Motoboys" sintetiza o universo da profissão que atualiza os antigos boys -rapazes que faziam
entregas de documentos em curtas distâncias- em cinco personagens centrais. Entre eles, há o típico "cachorro louco", a motogirl,
o entregador de pizza e o motoboy que já não é mais tão jovem.
"No começo, eu tinha o estereótipo na minha mente. Achava que
eles eram todos um bando de moleques loucões", explica Ortiz.
"Era a visão típica do cara que anda de carro com o vidro fechado e
vê aquele monte de sujeitos de
moto andando em fila. Eles estão
sempre com capacetes e jaquetas
parecidas. É fácil criticá-los porque eles nem parecem humanos."
Em comum, Ortiz destaca a
busca pela aventura. "A maioria
deles começa nessa profissão por
pura falta de opção. Mas, com o
tempo, eles acabam pegando gosto pela coisa, ficam orgulhosos e
sentem a adrenalina. Eles adoram
essa liberdade de poder correr nas
ruas e não ter patrões."
Ortiz, no entanto, não faz um
documentário chapa-branca. Ele
sabe que, nessa história, não há
heróis ou bandidos. Chega até a
mostrar imagens dignas de programas sensacionalistas, como
motoboys agredindo fisicamente
outros motoristas.
"Não há dúvidas de que o trânsito de SP é uma guerra. Cada um
está olhando para o seu próprio
umbigo. Todos -motoristas de
ônibus, caminhão, carro, taxistas- se sentem desrespeitados
no trânsito e acham que estão
com a razão."
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