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CRÍTICA
Diretor faz ode rigorosa e apaixonada à imperfeição
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Digamos desde logo: "Crime
Delicado" é um filme esplêndido, radical, único.
Na superfície, a história -inspirada em breve romance de Sérgio Sant'Anna- é bastante simples: o crítico de teatro Antônio
Martins (Marco Ricca) se apaixona por Inês (Lilian Taublib), que
por sua vez é musa e amante de
um homem mais velho, o artista
plástico José Torres Campana (vivido pelo artista mexicano Felipe
Ehrenberg).
Uma particularidade de Inês é o
fato de ter uma deficiência física
bastante perceptível. Essa circunstância terá conseqüências na
maneira como evoluirá o tenso
triângulo amoroso.
Como Antônio é crítico teatral,
Inês é modelo e Campana é pintor, o filme acaba por trafegar livremente pelo teatro e pela pintura. Ou melhor: sua busca parece
ser a do ponto de intersecção entre essas formas de representação
e o cinema, e sobretudo entre este
(como síntese das artes) e a própria vida.
A primeira cena se desenrola
num palco (trata-se de uma peça
a que Antônio assiste como profissional) e dá a senha para a linguagem expositiva de todo o filme. De modo geral, o que veremos, dentro ou fora do palco, serão "quadros vivos", filmados
com câmera fixa, como que assumindo o ponto de vista de um espectador teatral. Por outro lado,
ao mostrar os quadros eróticos de
Campana sendo produzidos na
interação entre ele e a modelo, na
cama, ressalta-se o que há de teatro na pintura.
Assim como os trechos de peças
exibidos ("Woyzeck", "Confraria
Libertina", "Leonor de Mendonça"), os quadros da "vida real"
(dois homens embriagados conversando num bar, por exemplo)
não têm a ver diretamente com o
entrecho central. Mas todos se iluminam uns aos outros e enriquecem subterraneamente o tema da
paixão como elemento de desequilíbrio. Ou será do desequilíbrio, da imperfeição, como elemento de paixão? Não se sabe.
O fato é que, por baixo de sua
aparente estranheza formal, "Crime Delicado" apresenta uma unidade de sentido que atinge o espectador primeiro pela emoção
estética.
Pensar nexos e explicações é
uma atividade posterior, que não
deixa de ter a ver com o assunto
que se discute na tela: as tensões
entre a arte e a vida, entre o caráter falho desta última e a perfeição
idealizada da primeira.
Pois Antônio Martins, vigilante
do "Belo", vê-se em crise quando
descobre a beleza (em minúsculas) da imperfeição, que aqui é sinônimo de vida.
Se há algo que enfraquece um
pouco a obra, do ponto de vista
formal, é justamente o uso ocasional (e talvez inevitável) do campo/contracampo, pois esse recurso nos lembra que estamos no cinema, e não no terreno inefável,
em suspensão, ao qual nos transportou a música sublime de Schubert. Mas ter estado lá é algo que
não se esquece.
Crime Delicado
Direção: Beto Brant
Quando: hoje, às 22h, no Cine Bombril; e
dias 31, às 15h20, no Frei Caneca Arteplex; e 2, às 21h, na Sala UOL
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