São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007 |
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DRAUZIO VARELLA As leis do crime
EMBORA HAJA quem faça malabarismos intelectuais para provar o contrário, o crime é uma instituição de direita. Vamos deixar claro que não pretendo negar que a violência urbana se dissemina com características epidêmicas exatamente nas áreas mais pobres das cidades, nem menosprezar as raízes sociológicas e familiares envolvidas em sua gênese. Discutir as causas da violência não é objetivo da coluna de hoje. No entanto, reconhecer que a criminalidade adota práticas de causar inveja ao fascista mais autoritário é render-se ao óbvio. Ainda que os produtos comercializados sejam ilícitos, existe exemplo mais gritante de selvageria capitalista do que metralhar concorrentes para tomar-lhes os pontos-de-venda? Quando o crime se organiza, impõe leis próprias destinadas a criar regras de convivência, defender a estrutura de poder e impedir que a barbárie autofágica desintegre suas fileiras, princípios nada distintos dos que regem as sociedades contemporâneas. A diferença é que, ao contrário do emaranhado confuso e antiquado de nossa legislação, as leis da bandidagem são claras e rígidas. O crime é regido por um código não escrito que prevê todas as situações imagináveis. Não há brechas legais, nem margem para interpretações dúbias, nem espaço para jurisprudência contraditória. É o certo ou o errado, o isso pode e o aquilo, não; entre o preto e o branco, não existe zona cinzenta. É incrível que um código de transmissão oral possa reger os acontecimentos da vida social com tamanha abrangência. Estuprar, delatar o parceiro, namorar a mulher do companheiro preso e roubar os comparsas na partilha são crimes hediondos. Em dia de visita na cadeia, andar com o segundo botão da camisa desabotoado, passar pelas visitantes sem abaixar a cabeça ou aproximar-se de uma delas sob qualquer pretexto são contravenções menos graves, mas nem por isso perdoáveis. Ao contrário da infinidade de punições que o aparato jurídico brasileiro pode aplicar e das atenuantes e agravantes cabíveis em cada caso, as leis do crime impõem apenas três penalidades: ostracismo, agressão física e pena de morte. As condenações jamais prescrevem. Ser relegado ao ostracismo pelos comparsas de rua ou pelos companheiros de cadeia humilha e desterra o sentenciado. "Para quem está na marginalidade, isso é problema?", dirá você. Respondo com a observação de um assaltante que conheci na cadeia: "Sei que, para a sociedade, sou um verme. Se for desprezado também pelos companheiros, perco minha identidade de ser humano". A agressão física (punição prescrita em caso de agravos intermediários, que comprometem a harmonia sem colocar em risco a segurança do grupo) não se limita à troca de sopapos e de tesouras voadoras cinematográficas; as surras são de pau e pedra. Em respeito ao sábado do leitor, abstenho-me de descrever em detalhes os casos de agressão que presenciei em presídios. A pena de morte, defendida com ardor no combate aos assassinatos pela maioria da sociedade brasileira, é decretada sem condescendência e tem forte poder persuasivo no meio da criminalidade. Se, entre eles, a pena de morte funciona para dissuadir os transgressores que causam prejuízo financeiro ou colocam em risco a sobrevivência dos demais, não seria o caso de executarmos os psicopatas que martirizam a sociedade e tiram a vida de inocentes? Para responder, é preciso comparar em que condições a pena de morte é aplicada entre nós e no mundo deles. Nos países que adotam a pena de morte, ao condenado é assegurado o direito de recorrer aos tribunais em diversas instâncias, para evitar os erros de julgamento característicos das épocas em que reinava o arbítrio. O resultado? A sentença será executada muitos anos depois de o crime cometido, quando a lembrança do ato criminoso estará apagada na memória de todos. Não é a toa que, nesses países, a execução sistemática de prisioneiros tem impacto irrelevante na redução da criminalidade. No crime, ao contrário, as execuções têm grande poder intimidativo porque são aplicadas assim que a infração é cometida. O rito é sumário: os jurados se reúnem sem formalidades e decretam a sentença fatal, a ser executada imediatamente. Para todos os circunstantes, a relação entre crime e castigo é inequívoca, didática e assustadora. Se houver erro judiciário e, por acaso, morrer um inocente, quem vai reclamar? Contra a força não há argumento, como diz a bandidagem. Texto Anterior: Resumo das novelas Próximo Texto: Literatura: Academia Paulista de Letras elege Ruth Rocha Índice |
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