São Paulo, quarta-feira, 27 de novembro de 2002

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RAP família


509-E lança segundo CD, em que prega "crime nas idéias"; "MMII - d.C" tem participação de mulher e filhos de integrante do grupo


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Coração e palavra de mãe é profecia mesmo, ó, vagabundo." O aviso vem de dentro da penitenciária Nilton Silva, em Franco da Rocha, onde Marcos Fernandes de Omena, 29, conhecido como Dexter do grupo de rap 509-E cumpre pena de 24 anos de prisão por assalto à mão armada.
Lá também ficou, até julho passado, Cristian de Souza Augusto, 29, para os manos Afro-X, a outra metade do 509-E, para o público em geral marido e pai de um filho com a cantora Simony. Condenado a 14 anos por assalto, dos quais sete anos e meio já cumpridos, Afro-X conheceu o parceiro de rima Dexter no Carandiru e, de lá para cá, o seu 509-E já conquistou o reconhecimento do rap nacional, eleito grupo revelação pelo prêmio Hutus do ano passado, chamou a atenção de produtores no Japão, na Suécia e na França, segundo maior expoente mundial do hip hop depois dos EUA, e chega agora ao segundo disco da carreira, "MMII- d.C.", lançado nesta semana pela gravadora Atração.
"Já somos a terceira potência do rap mundial. Essa evolução é merecida. No começo a gente usava scratch de americano, e hoje eles vêm buscar bossa nova e Jorge Ben Jor para usar lá fora", declarou Afro-X à Folha, em entrevista realizada na penitenciária Nilton Silva.
"Sempre foi um sonho ser respeitado pelas coisas positivas que eu fiz", completa Dexter, que colocou voz no disco em um estúdio improvisado no próprio presídio. "Hoje todo o sistema carcerário do país vê o 509-E como uma referência a seguir. E conquistamos isso pela música, e não porque fomos presos com milhões ou pelo crime que a gente cometeu."
Menos sombrio do que "Provérbios 13", de 2000, "MMII d.C" representa, nas palavras da dupla, "o crime nas idéias". Começa, sim, botando banca, aproveitando para cutucar quem andara falando mal do grupo, disparando autoafirmações no dialeto da periferia, mas tenta ser, acima de tudo, um recado positivo para a garotada da favela, para os amigos e as mães que aguardam pacientemente a liberação dos rappers (Afro-X já está em condicional).
"Esse negócio de amar o próximo é muito importante. Na periferia os caras acham que não é por aí, que você tem que ser você mesmo, mas esse mandamento não pode ser demagogia", diz Afro-X.
Baixando a guarda, falam também da infância jogando bola, dos tios, dos irmãos, da escola, da saudade. Se "Noite Infeliz" e "Profissão Perigo" lembram os crimes -frustrados- que cada um cometeu, "Você me Faz Falta", "Rainha do Lar", "Olha o Menino" e tantas outras remetem à esperança, apoiadas em bases de black music, jazz, suingue e até num violão de música flamenca.
A tendência rap em família se reflete não só na temática mas no teor das participações especiais em "MMII - d.C.", que tem, entre outras, a voz do irmão de Afro-X Bad, do companheiro de cadeia Régis, de Simony e do filho Ryan, sem contar o show à parte dos pequenos Jonathan e Juninho.
Apadrinhada pelos Racionais MCs desde a sua criação, a dupla volta, neste CD, a contar com a produção de Mano Brown ("Noite Infeliz" e "Cê Tá Ingrupido"), Edy Rock ("Profissão Perigo" e "Apenas um Sonho"), Ice Blue ("A Indústria") e KL Jay ("Mile Dias"). DJ Hum ("A Saudade Continua") também dá as caras.
Enfim, o xis da questão: como divulgar "MMII - d.C." sendo que um dos integrantes continua na prisão? "Conto com a sensibilidade e a jurisprudência das pessoas", diz Dexter. "Nenhum erro é justificável, mas, na teoria, a Justiça deveria servir para ressocializar o criminoso", sugere o outro.


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