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"MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO"
João Antônio constrói contos "positivamente malandros"
BRUNO ZENI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O livro de contos "Malagueta, Perus e Bacanaço", lançado em 1963 e agora reeditado, é a
estréia literária de João Antônio
(1937-96). Sua publicação não representava pouco para um garoto
de 26 anos, nascido no subúrbio
paulistano de Presidente Altino,
filho de uma dona-de-casa mulata e de um motorista de caminhão
de origem portuguesa.
A nova edição do livro, feita pela
Cosac & Naify (que vem relançando outras obras do autor
-"Ó, Copacabana", "Dedo-Duro", "Leão-de-Chácara", "Abraçado ao Meu Rancor"), traz encarte com texto de Rodrigo Lacerda rico em dados biográficos e informações sobre a recepção crítica da obra, além de uma explicação desmistificadora sobre a famosa história do incêndio que
destruiu os originais do livro.
Ao longo de uma carreira dividida entre o jornalismo e a literatura, entre Rio de Janeiro e São
Paulo, João Antônio colecionou
resenhas e ensaios elogiosos de
nomes como João Alexandre Barbosa, Alfredo Bosi, Antonio Arnoni Prado e Antonio Candido.
Identificado com predecessores
de nossa literatura urbana
-principalmente com Lima Barreto-, João Antônio inaugurava
um tipo novo de realismo na literatura brasileira. Para Antonio
Candido, ao lado de Rubem Fonseca o autor empreende um "realismo feroz".
Se há proximidade temática entre ambos, os dispositivos literários de cada um são diversos, se
não opostos. Autor de uma ficção
colada à própria experiência, João
Antônio mantém relação de forte
identidade com o mundo que retrata, despendendo tratamento lírico e afetivo ao universo dos
"marginais moídos pela vida".
O conto "Malagueta, Perus e Bacanaço" descreve as andanças de
três malandros jogadores de sinuca pela noite de São Paulo. A ação
tem início num bar da Lapa, lugar
onde também termina a narrativa. Depois de passarem por Barra
Funda, Centro e Pinheiros tentando faturar uma grana, os parceiros voltam à Lapa sem dinheiro. A
circularidade confere recorrência
fabular à narrativa, como se os
personagens vivessem num moto-contínuo o perde-ganha infinito da malandragem.
O conto cresce se lido junto com
as primeiras narrativas do livro.
Os protagonistas de "Busca" e
"Afinação da Arte de Chutar
Tampinhas" também oscilam entre trabalho e vagabundagem, entre ordem e desordem, entre os
pólos positivo e negativo da sociedade, funcionamento que Antonio Candido definiu como "dialética da malandragem".
"Malagueta, Perus e Bacanaço"
é um livro que se pergunta, no começo dos anos 60, sobre o destino
do Brasil urbano e industrial. A
obra é uma utopia de um país positivamente malandro: frágil e inventivo, erudito e popular, violento, mas amoroso, fraterno, ainda
que espoliador.
Sinuca, samba, futebol, arte e a
própria literatura se afiguram assim como práticas reais e metafóricas, pontos de fuga rumo a um
horizonte futuro. Lido hoje, o livro é fonte de inspiração para
pensar a cidade, o país e a literatura que se produz a partir de nossa
realidade cindida.
Malagueta, Perus e Bacanaço
Autor: João Antônio
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 29,90 (222 págs.)
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