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FERNANDO BONASSI
Ecossistema de Laranjas
O suor azedo do trabalho de um laranja é o sumo servido nas jarras dos bacanas
LARANJAS SÃO por natureza vegetais, mas há laranjas que adquirem contornos animais,
especialmente em função daquilo
que não são e fazem de conta que
têm sido.
Seriam meras frutas cítricas, mas
que se tornaram ácidas, ávidas ou cínicas de acordo com as épocas envolvidas em suas polêmicas circunstanciais.
Há, portanto, laranjas morais e
normais para o deleite e a saúde da
população, bem como laranjas de
pendores venais para servirem-se
amiúde de um padrão que muitos
querem, mas só uns poucos podem
sorver.
Umas são vistas à mostra nas árvores locais, ricas em vitaminas e
sais minerais, outras são pobres em
tudo que se imagina e ademais permanecem escondidas nos documentos extra-oficiais de obscuros
biólogos vigaristas.
A semente de uma laranja convencional é ecológica, uma clara
aposta na sobrevivência de sua espécie; já a linhagem de um laranja está
sempre à espera de um presente em
espécie e que não lhe pertence para
poder frutificar.
Há laranjeiras que são espinhosas,
mas têm nos troncos a qualidade
proveitosa de seus frutos, enquanto
a personalidade enganosa de um laranja é um furto, um bagaço; um tipo de "não ser", como se pudesse
"deixar estar" e assim resolver a dúvida shakespeareana... Essa loucura
suicida que assola de paralisia as
mentes e os bolsos de nossas gentes
de bens, cuja concentração irrespirável de poder apodrece nos incômodos morros em torno dos reinos.
Tais laranjas especiais aparentam
o que não são e aparecem ser o que
não têm, podendo mesmo dar no pé,
mas só após o período das colheitas,
quando arcam com um peso cujo zelo outros ladrões mais folgados não
puderam ou não quiseram carregar
para pagar os impostos devidos.
São impostores vendidos que precisam disfarçar, senão para enganar
os bandidos armados com sonhos de
supermercado, ao menos os fiscais
da Receita Federal, atuais zeladores
da riqueza, pobreza ou "podreza"
nacional.
Tais falsários se apresentam mal,
mas os conhecemos muito bem e sabemos também que estão em toda
parte, passeando por tapetes ilegais
estendidos por imunidades cordiais
e legislações penais crivadas de entrelinhas.
Por isso, algumas laranjas daninhas ainda são personalidades adoradas entre fominhas que não querem fazer nada, já que tudo o que poderiam fazer parece pouco perto do
muito que não têm coragem de realizar.
O fato é que, apesar de miseráveis
consumidores de desejos alheios,
nem todos os cidadãos brasileiros
gostam de ser escravos desses salários, martirizados como troços que
são chupados e cuspidos nos pratos
de outro alguém.
Como laranjas, ao menos, alguns
se prestam ao prazer ameno de um
sexo inseguro com quem fingem conhecer, mas não podem identificar
para gozar.
O suor azedo do trabalho de um laranja é o sumo enjoativo que é servido nas jarras das récitas dos bacanas, nos sucos dos jantares de amizade e nos sarros das celebridades
patrocinadas, com doutores jogadores e escritores diplomatas se acobertando nas velhas disputas manjadas e cartas marcadas dos fóruns
privilegiados.
A casca áspera da laranja é enrugada e protegida como a cara dura de
um laranja, que está lá à troca de troça, que ganha para se mostrar e segurar a barra de uma farra que não
fez, já que nem teve a sorte de nascer
entre os sacanas amargurados que
se dispõe a adoçar com sua assinatura.
Um laranja desprezado até pode
ser descartado numa fritura sem saber a extensão do que fez e se ajoelhar em contrição ao pé da cruz, pedindo perdão como um cristão arrependido ou um cão danado que quisesse ser sugado como um trapo pra
debaixo de sua terra grilada.
Pode ser apocalíptico, patético ou
prosaico, mas a previsão política é
aterradora pra quem é sofredor e
também para tem a ganhar, pois parece chegada a hora desses capitães
do mato colherem os fardos do que
não plantaram... Seus melhores
exemplos são sempre esses dos piores que querem respeito a despeito
do que não fazem e jazem legando
uma herança de tédio e desesperança...
Acontece que a fatura futura que
há de ser cobrada a socos, achaques
e pontapés por baixo dos panos e dos
canos da juventude desempregada e
desiludida...
A autoridade de uns poucos não
será páreo para a transformação
verdadeira que a insatisfação derradeira desses muitos poderá vir a trazer.
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