São Paulo, terça-feira, 27 de novembro de 2007

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FERNANDO BONASSI

Ecossistema de Laranjas

O suor azedo do trabalho de um laranja é o sumo servido nas jarras dos bacanas

LARANJAS SÃO por natureza vegetais, mas há laranjas que adquirem contornos animais, especialmente em função daquilo que não são e fazem de conta que têm sido.
Seriam meras frutas cítricas, mas que se tornaram ácidas, ávidas ou cínicas de acordo com as épocas envolvidas em suas polêmicas circunstanciais.
Há, portanto, laranjas morais e normais para o deleite e a saúde da população, bem como laranjas de pendores venais para servirem-se amiúde de um padrão que muitos querem, mas só uns poucos podem sorver.
Umas são vistas à mostra nas árvores locais, ricas em vitaminas e sais minerais, outras são pobres em tudo que se imagina e ademais permanecem escondidas nos documentos extra-oficiais de obscuros biólogos vigaristas.
A semente de uma laranja convencional é ecológica, uma clara aposta na sobrevivência de sua espécie; já a linhagem de um laranja está sempre à espera de um presente em espécie e que não lhe pertence para poder frutificar.
Há laranjeiras que são espinhosas, mas têm nos troncos a qualidade proveitosa de seus frutos, enquanto a personalidade enganosa de um laranja é um furto, um bagaço; um tipo de "não ser", como se pudesse "deixar estar" e assim resolver a dúvida shakespeareana... Essa loucura suicida que assola de paralisia as mentes e os bolsos de nossas gentes de bens, cuja concentração irrespirável de poder apodrece nos incômodos morros em torno dos reinos.
Tais laranjas especiais aparentam o que não são e aparecem ser o que não têm, podendo mesmo dar no pé, mas só após o período das colheitas, quando arcam com um peso cujo zelo outros ladrões mais folgados não puderam ou não quiseram carregar para pagar os impostos devidos.
São impostores vendidos que precisam disfarçar, senão para enganar os bandidos armados com sonhos de supermercado, ao menos os fiscais da Receita Federal, atuais zeladores da riqueza, pobreza ou "podreza" nacional.
Tais falsários se apresentam mal, mas os conhecemos muito bem e sabemos também que estão em toda parte, passeando por tapetes ilegais estendidos por imunidades cordiais e legislações penais crivadas de entrelinhas.
Por isso, algumas laranjas daninhas ainda são personalidades adoradas entre fominhas que não querem fazer nada, já que tudo o que poderiam fazer parece pouco perto do muito que não têm coragem de realizar.
O fato é que, apesar de miseráveis consumidores de desejos alheios, nem todos os cidadãos brasileiros gostam de ser escravos desses salários, martirizados como troços que são chupados e cuspidos nos pratos de outro alguém.
Como laranjas, ao menos, alguns se prestam ao prazer ameno de um sexo inseguro com quem fingem conhecer, mas não podem identificar para gozar.
O suor azedo do trabalho de um laranja é o sumo enjoativo que é servido nas jarras das récitas dos bacanas, nos sucos dos jantares de amizade e nos sarros das celebridades patrocinadas, com doutores jogadores e escritores diplomatas se acobertando nas velhas disputas manjadas e cartas marcadas dos fóruns privilegiados.
A casca áspera da laranja é enrugada e protegida como a cara dura de um laranja, que está lá à troca de troça, que ganha para se mostrar e segurar a barra de uma farra que não fez, já que nem teve a sorte de nascer entre os sacanas amargurados que se dispõe a adoçar com sua assinatura.
Um laranja desprezado até pode ser descartado numa fritura sem saber a extensão do que fez e se ajoelhar em contrição ao pé da cruz, pedindo perdão como um cristão arrependido ou um cão danado que quisesse ser sugado como um trapo pra debaixo de sua terra grilada.
Pode ser apocalíptico, patético ou prosaico, mas a previsão política é aterradora pra quem é sofredor e também para tem a ganhar, pois parece chegada a hora desses capitães do mato colherem os fardos do que não plantaram... Seus melhores exemplos são sempre esses dos piores que querem respeito a despeito do que não fazem e jazem legando uma herança de tédio e desesperança...
Acontece que a fatura futura que há de ser cobrada a socos, achaques e pontapés por baixo dos panos e dos canos da juventude desempregada e desiludida...
A autoridade de uns poucos não será páreo para a transformação verdadeira que a insatisfação derradeira desses muitos poderá vir a trazer.


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