São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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LITERATURA

Personagem infantil dos anos 50, que mora no hotel Plaza, em NY, com a tartaruga, o cachorro e a babá, volta às livrarias nos EUA

Eloise, uma mulher inesquecível aos 6 anos

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

Uma mulher inesquecível: cheia de energia, cheia de vontade, cheia de imaginação. Tão naturalmente à vontade, em qualquer circunstância, que ninguém chega a ser páreo para sua confiança absoluta em si. O mundo gira sempre a seu redor e gira em alta velocidade. Sua capacidade de se divertir é uma verdadeira paixão. Vive em grande estilo, mas completamente livre de estilo. É a senhora dos caprichos, sem nenhum capricho de senhora. Com 6 anos de idade, para sempre, Eloise é uma das grandes figuras femininas que os EUA já produziram; e está pronta, agora, para fazer o mundo se apaixonar por ela.
Eloise nasceu em 1955. Sua autora era uma atriz, pianista, cantora, arranjadora (e ex-professora de mergulho) chamada Kay Thompson. Foi ela a mentora de Judy Garland e Lena Horne, e um modelo para o tipo de "one-woman show" glamourizado mais tarde por Liza Minelli, sua afilhada, aliás. Certo dia de 1954, durante uma temporada no Plaza Hotel de Nova York, Thompson chegou tarde para um ensaio e respondeu desaforada às reclamações, fazendo voz de criança. "Quem é você, menininha?", retrucou um dos músicos. "I am Eloise. I am six" ("Eu sou a Eloise. Eu tenho 6 anos"), respondeu Thompson. A brincadeira pegou e virou rotina. Virou um livro, depois, que vendeu 150 mil exemplares nos primeiros dois anos e se firmou como best seller; acaba de render mais de US$ 4 milhões aos herdeiros, pelos seus direitos televisivos e cinematográficos.
Eloise mora no Plaza, com a Babá ("Nanny"), o cachorro e a tartaruga. De seu pai, nunca se soube nada. A mãe liga ocasionalmente, de alguma parte do mundo, para mandar um beijo ou dar recados. Na prática, Eloise e Nanny são uma família de duas pessoas e um ideal de civilidade: de temperamentos opostos, a gerações de distância e com diferenças marcadas de classe, convivem harmoniosa e carinhosamente no meio do furacão.
Eloise é uma peste: chama o camareiro para passar seus tênis, atormenta o ascensorista, desajusta os termostatos, liga para o restaurante e manda trazer uma uva-passa para a tartaruga, sai batendo um taco pelos corredores, finge-se de órfã para ganhar algum presente dos hóspedes e, na famosa cena que fecha o livro, despeja uma jarra d'água na caixa de correio.
Boa parte do encantamento de Eloise é um encantamento da voz. Guardadas as proporções, os monólogos de Eloise são algo assim como uma versão nova-iorquina aristocrática infantil do baixo dublinense da Molly Bloom de James Joyce. Não tem pontuação, nem vergonha. Guardadas outras desproporções, Eloise está para a identidade feminina americana como o Huck Finn de Mark Twain para a masculina: certo ideal fundador, um misto de individualidade e audácia, realiza-se nela com a força que a literatura tem, e a gente não tem.
O encantamento do desenho é outra história e tanto. Não existe Eloise sem os traços de Hilary Knight, uma coleção maravilhosa de flagrantes em duas cores. São exercícios perfeitos de estilo, estudos virtuosísticos de movimento e caráter, centrados na movimentadíssima menina, mas com um número considerável de coadjuvantes, definidos com um desenho ou dois.
Depois do sucesso de "Eloise", Thompson e Knight lançariam mais três livros: "Eloise in Paris" (1957), "Eloise at Christmastime" (1958) e "Eloise in Moscow" (1959). Eloise foi alvo também de uma das primeiras campanhas bem-sucedidas de marketing literário, com direito a bonecas e roupas. Surpreendentemente Kay Thompson proibiu logo a continuação das vendas de produtos e proibiu também a reedição dos livros, exceto o primeiro, com o argumento de que era preciso proteger Eloise do público. Até sua morte, em julho passado, aos 95 anos, a situação era essa; e todas as ofertas de exploração comercial de Eloise permaneceram sem resposta, como também os planos de diversos diretores de cinema, incluindo Francis Ford Coppola.
Quinze semanas de leilão se encerraram agora com a notícia da venda dos direitos de imagem à "itsy bitsy" Entertainment Company. Além de um longa-metragem com distribuição mundial, fala-se de uma série de televisão "Eloise", em horário nobre. E a fábrica de cosméticos Lorac já lançou um novo batom com o nome dela "absolutamente rosa", como diria a homenageada, que costuma escrever com batom nas paredes do hotel.
A melhor notícia, porém, é que a editora Simon and Schuster já relançou "Eloise in Paris" e "Eloise at Christmastime", e anuncia as aventuras moscovitas para 2000.
O volume natalino tem desenhos inspiradores e um texto todo em versos, nem tão inspirados. Exuberância e extravagância são as regras do jogo, mas o pastiche transfigurado de "carols" (as canções de Natal inglesas) tira tudo o que pode do charme, e o charme tem limite. É um livro-a-mais para os leitores de Eloise; mas não se compara ao segundo, nem ao primeiro, que também ganhou nova edição, anotada: "The Absolutely Essential Eloise".
Já "Eloise in Paris" faz da cidade um outro cenário e da língua francesa uma alegria de aberrações e traduções. "As gotas de chuva são maiores" é o tipo de observação que só uma criança tem olho para ver em Paris; "lagostins dão unhas postiças ótimas" é o tipo de observação que só Eloise tem olho para enxergar e coragem de pôr em prática.
"Uuuuuuuuuuuuuuu regardez isso" e ela vai olhando e tocando e zanzando por tudo em Paris, que além de preto e rosa ganhou massas de azul, como a bandeira nacional. "Baguetes servem de esquis"; "um melão aberto é bom para esfriar os pés." Não tem fim a quantidade de coisas que se pode aprender com ela. "Eu ELOISE" é absolutamente sua primeira razão na vida; mas ela é grande demais para caber em si, e depois da leitura cada um de nós sai carregando, para sempre, uma migalha que seja do excesso de Eloise.
Muito menor que a maioria e muito maior que qualquer um de seus leitores, Eloise representa uma medida, ou desmedida da imaginação, que o cinema e a TV devem tornar acessíveis, agora, seja de que forma for, pelo mundo inteiro. É a melhor notícia do Natal. Talvez seja um estímulo, ainda, para a tradução dos livros, absolutamente americanos. Eloise em português seria uma felicidade, e a melhor notícia de algum Natal absoluto do futuro.


Avaliação:     


Livros: The Absolutely Essential Eloise, Eloise in Paris, Eloise at Christmastime
Autora: Kay Thompson
Editora: Simon and Schuster
Quanto: U$ 17 cada livro (cerca de R$ 30)
Onde encomendar: www.amazon.com





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