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LITERATURA
Personagem infantil dos anos 50, que mora no hotel Plaza, em NY, com a tartaruga, o cachorro e a babá, volta às livrarias nos EUA
Eloise, uma mulher inesquecível aos 6 anos
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Uma mulher inesquecível: cheia
de energia, cheia de vontade,
cheia de imaginação. Tão naturalmente à vontade, em qualquer
circunstância, que ninguém chega a ser páreo para sua confiança
absoluta em si. O mundo gira
sempre a seu redor e gira em alta
velocidade. Sua capacidade de se
divertir é uma verdadeira paixão.
Vive em grande estilo, mas completamente livre de estilo. É a senhora dos caprichos, sem nenhum capricho de senhora. Com
6 anos de idade, para sempre,
Eloise é uma das grandes figuras
femininas que os EUA já produziram; e está pronta, agora, para fazer o mundo se apaixonar por ela.
Eloise nasceu em 1955. Sua autora era uma atriz, pianista, cantora, arranjadora (e ex-professora
de mergulho) chamada Kay
Thompson. Foi ela a mentora de
Judy Garland e Lena Horne, e um
modelo para o tipo de "one-woman show" glamourizado mais
tarde por Liza Minelli, sua afilhada, aliás. Certo dia de 1954, durante uma temporada no Plaza Hotel
de Nova York, Thompson chegou
tarde para um ensaio e respondeu
desaforada às reclamações, fazendo voz de criança. "Quem é você, menininha?", retrucou um dos músicos. "I
am Eloise. I am six"
("Eu sou a Eloise. Eu
tenho 6 anos"), respondeu
Thompson. A brincadeira pegou
e virou rotina. Virou um livro, depois, que vendeu 150 mil exemplares nos primeiros dois anos e
se firmou como best seller; acaba
de render mais de US$ 4 milhões
aos herdeiros, pelos seus direitos
televisivos e cinematográficos.
Eloise mora no Plaza, com a Babá ("Nanny"), o cachorro e a tartaruga. De seu pai, nunca se soube
nada. A mãe liga ocasionalmente,
de alguma parte do mundo, para
mandar um beijo ou dar recados.
Na prática, Eloise e Nanny são
uma família de duas pessoas e um
ideal de civilidade: de temperamentos opostos, a gerações de
distância e com diferenças marcadas de classe, convivem harmoniosa e carinhosamente no meio
do furacão.
Eloise é uma peste: chama o camareiro para passar seus tênis,
atormenta o ascensorista, desajusta os termostatos, liga para o
restaurante e manda trazer uma
uva-passa para a tartaruga, sai batendo um taco pelos corredores,
finge-se de órfã para ganhar algum presente
dos hóspedes e, na
famosa cena que
fecha o livro, despeja uma jarra
d'água na
caixa de correio.
Boa parte do encantamento de
Eloise é um encantamento da voz.
Guardadas as proporções, os monólogos de Eloise são algo assim
como uma versão nova-iorquina
aristocrática infantil do baixo dublinense da Molly Bloom de James Joyce. Não tem pontuação,
nem vergonha. Guardadas outras
desproporções, Eloise está para a
identidade feminina americana
como o Huck Finn de Mark
Twain para a masculina: certo
ideal fundador, um misto de individualidade e audácia, realiza-se
nela com a força que a literatura
tem, e a gente não tem.
O encantamento do desenho é
outra história e tanto. Não existe
Eloise sem os traços de Hilary
Knight, uma coleção maravilhosa
de flagrantes em duas cores. São
exercícios perfeitos de estilo, estudos virtuosísticos de movimento
e caráter, centrados na movimentadíssima menina, mas com um
número considerável de coadjuvantes, definidos com um desenho ou dois.
Depois do sucesso de
"Eloise",
Thompson e
Knight lançariam mais
três livros:
"Eloise in Paris" (1957),
"Eloise at Christmastime" (1958) e
"Eloise in Moscow" (1959).
Eloise foi alvo também de uma
das primeiras campanhas bem-sucedidas de marketing literário,
com direito a bonecas e roupas.
Surpreendentemente Kay
Thompson proibiu logo a continuação das vendas de produtos e
proibiu também a reedição dos livros, exceto o primeiro, com o argumento de que era preciso proteger Eloise do público. Até sua
morte, em julho passado, aos 95
anos, a situação era essa; e todas
as ofertas de exploração comercial de Eloise permaneceram sem
resposta, como também os planos
de diversos diretores de cinema,
incluindo Francis Ford Coppola.
Quinze semanas de leilão se encerraram agora com a notícia da
venda dos direitos de imagem à
"itsy bitsy" Entertainment Company. Além de um longa-metragem com distribuição mundial,
fala-se de uma série de televisão
"Eloise", em horário nobre. E a fábrica de cosméticos Lorac já lançou um novo batom com o nome
dela "absolutamente rosa", como
diria a homenageada, que costuma escrever com batom nas paredes do hotel.
A melhor notícia, porém, é que
a editora Simon and Schuster já
relançou "Eloise in Paris" e "Eloise at Christmastime", e anuncia as
aventuras moscovitas para 2000.
O volume natalino tem desenhos inspiradores e um texto todo em versos, nem tão inspirados.
Exuberância e extravagância são
as regras do jogo, mas o pastiche
transfigurado de "carols" (as canções de Natal inglesas) tira tudo o
que pode do charme, e o charme
tem limite. É um livro-a-mais para os leitores de Eloise; mas não se
compara ao segundo, nem ao primeiro, que também ganhou nova
edição, anotada: "The Absolutely
Essential Eloise".
Já "Eloise in Paris" faz da cidade
um outro cenário e da língua francesa uma alegria de aberrações e
traduções. "As gotas de chuva são
maiores" é o tipo de observação
que só uma criança tem olho para
ver em Paris; "lagostins dão
unhas postiças ótimas" é o tipo de
observação que só Eloise tem olho
para enxergar e coragem de pôr
em prática.
"Uuuuuuuuuuuuuuu regardez
isso" e ela vai olhando e tocando e
zanzando por tudo em Paris, que
além de preto e rosa ganhou massas de azul, como a bandeira nacional. "Baguetes servem de esquis"; "um melão aberto é bom
para esfriar os pés." Não tem fim a
quantidade de coisas que se pode
aprender com ela. "Eu ELOISE" é
absolutamente sua primeira razão na vida; mas ela é grande demais para caber em si, e depois da
leitura cada um de nós sai carregando, para sempre, uma migalha
que seja do excesso de Eloise.
Muito menor que a maioria e
muito maior que qualquer um de
seus leitores, Eloise representa
uma medida, ou desmedida da
imaginação, que o cinema e a TV
devem tornar acessíveis, agora,
seja de que forma for, pelo mundo
inteiro. É a melhor notícia do Natal. Talvez seja um estímulo, ainda, para a tradução dos livros, absolutamente americanos. Eloise
em português seria uma felicidade, e a melhor notícia de algum
Natal absoluto do futuro.
Avaliação:
Livros: The Absolutely Essential Eloise,
Eloise in Paris, Eloise at Christmastime
Autora: Kay Thompson
Editora: Simon and Schuster
Quanto: U$ 17 cada livro (cerca de R$
30)
Onde encomendar: www.amazon.com
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