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LITERATURA/ARTIGO
Jovem mexicano põe América hispânica no mapa do noir
CARLOS FUENTES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os romances de detetive
não pegaram na América
hispânica. Alguns preciosos
exemplos, de Jorge Luis Borges,
Adolfo Bioy Casares e Manuel
Peyrou, não bastam para aclimatar um estilo e um tema narrativo
que, inventado por Edgar Allan
Poe, ganhou cidadania na Inglaterra vitoriana, com Sherlock
Holmes, e, no entre-guerras, com
Agatha Christie e Dorothy Sayers.
Se Holmes dá-se o luxo de caminhar por todas as classes sociais,
Christie, Sayers e seus demais seguidores limitam-se às classes altas, aos finais de semana no campo, às viagens exóticas pelo Nilo...
Os norte-americanos seguiram
a mesma tradição, por algum
tempo. Philo Vance e Ellery
Queen não saem dos salões elegantes. Serão os autores de verniz
noir, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, James M. Cain,
Ross McDonald, que levarão o gênero das "penthouses" ao sótão,
das piscinas aos charcos. Charcos
urbanos onde a lua não se reflete
porque tudo, lua e água, está
manchado de sangue.
Carlos Rubio Rosell se incorpora a essa última tradição, a do romance noir norte-americano,
mas dá ao gênero um sabor latino-americano muito particular.
Não só se inscreve em uma prática literária pouco comum entre os
nossos como, na medida em que
sua família literária é a do romance noir, sua orfandade literária se
relaciona a outro gênero, a do
"On the Road" de Jack Kerouac.
"Los Ángeles-Sur" é um thriller
de estrada. Mas a "road novel"
pertence à tradição mais antiga da
literatura, a do deslocamento.
Desde Homero o tema do abandono do lar é o tema original do
épico ocidental. Original não só
no sentido do "gran tour" que todo europeu inteligente tinha de
fazer para passar da juventude a
uma certa maturidade, na Europa
do Iluminismo em diante, mas
também no deslocamento em
busca do Graal, da cruzada religiosa, da busca do épico perdido.
Parsifal e Ricardo Coração de
Leão, Dom Quixote e Wilhelm
Maister, os heróis de Júlio Verne,
todos se deslocam, se movem, escolhem o caminho. Na América
hispânica, o deslocamento dos
exploradores está na raiz de nossa
narrativa, e logo na conquista dos
interiores impenetráveis, traço
comum entre a conquista do oeste nos EUA e a conquista das selvas e rios na América ibérica.
O tumulto social, e às vezes revolucionário, determina o movimento latino-americano. De "Os
Sertões", de Euclydes da Cunha, a
"Canaima", de Romulo Gallegos.
Mas esses mesmos deslocamentos às vezes são vistos por seres
imóveis, como Pedro Páramo,
que jamais sai de Media Luna. Rosell, em "Los Ángeles-Sur", une as
duas tradições. Não é fortuito que
seu romance se inicie com a cidade de Los Angeles, a fábrica dos
sonhos indispensáveis a um país
sem fronteiras internas.
Toda a dinâmica norte-americana é o movimento do Atlântico
ao Pacífico. A "conquista do oeste" é a razão de ser do épico norte-americano. Nada a detém, nem as
terras dos indígenas nem os territórios da Espanha e do México.
Não quero perder de vista a posição de um romance como "Los
Ángeles-Sur", encruzilhada de caminhos desde o título mas também encruzilhada de histórias,
encruzilhada de gêneros, encruzilhada de propósitos. Como a
"road novel" de Kerouac, essa se
desenrola ao longo de uma estrada, a Panamericana, que se estende da Califórnia ao Panamá. Mas
diferentemente do romance de
estrada americano, o trabalho de
Rosell é uma odisséia que se dirige
ao sul, dos EUA à América Latina,
América Central, Colômbia.
Rosell envia um chicano aos territórios que hoje não são dominados pelas armas militares americanas, mas pelas do crime organizado. Nessas fronteiras que se situa o drama de vingança, a do rapaz que teve o irmão injustamente preso pela máfia colombiana.
Destaco a qualidade do ritmo
narrativo de Rubio Rosell. Nos romances noir americanos, a velocidade da história excluía, em princípio, toda referência ao passado
do detetive, do olho privado. O
personagem criado por Rosell é
nosso, é latino, porque não consegue se libertar de seu passado.
"Los Ángeles-Sur" é testemunho de uma dupla invasão, do sul
ao norte, do norte ao sul, que resulta atrozmente fatal, converte o
crime em sinal e senha, e a vingança em resposta obrigatória.
Rubio Rosell, com grande talento
narrativo, permite que o oco entre
a fatalidade e a vingança, entre o
crime e o castigo, se preencha de
maneira atrozmente sensual.
Jim Thompson, David Goodis,
Chester Himes, Carl Hiaasen. A
esses nomes da constelação do gênero é preciso acrescentar agora o
do jovem mexicano Carlos Rubio
Rosell, que vem a enriquecê-la
com uma paisagem moral e política, sentimental e plena de memórias, e livre, só porque narrar
liberta, narrar define, narrar salva
os restos do naufrágio.
Carlos Fuentes é mexicano, autor de "A
Morte de Artemio Cruz", entre outros
Tradução Paulo Miggliacci
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