São Paulo, terça, 28 de janeiro de 1997.

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CINEMA
Poucas produções foram negociadas na mostra que terminou no domingo e ofereceu oportunidade a cineastas independentes
Sundance Festival é vitrine para iniciantes

ADRIANE GRAU
enviada especial a Park City

Escondida por trás de montanhas que no inverno a transformam numa badalada estação de esqui, Park City aprendeu a conviver com ruidosos hóspedes.
Além de amassar a lama do centro histórico, os frequentadores do Sundance Film Festival, que se encerrou na noite de domingo, movimentam em dez dias US$ 15 milhões gastos em acomodações, comida, aluguel de esquis e, claro, entradas de cinema.
Há 13 anos, quando Robert Redford se uniu à Utah Film Comission, Sundance era apenas o nome do resort de sua propriedade, a 40 milhas de Park City. Sua idéia era dar vez ao cinema independente.
Com a ajuda do diretor de programação Geoffrey Gillmore e de Nicole Guillemet, diretora-executiva, Sundance virou sinônimo de filme independente mundo afora.
Nos EUA dos anos 90, virar cineasta é um sonho acalentado por milhares de jovens na casa dos 20 anos. "No pós-guerra, todos queriam ser pintores", afirma Gillmore. "Agora trocaram o pincel pela câmera, a tinta pela luz."
Como fazer cinema exige muito mais que uns trocados no bolso e uma tela em branco, os candidatos à carreira se vêem às voltas com financiamentos, pedidos de bolsa e produtoras.
Poucos estúdios, como a Miramax, Sony Clássicos, New Line e Fox Searchlight, têm coragem de entregar na mão de um iniciante o mínimo de US$ 1 milhão necessário para contar uma história.
"Percebi que fazer e divulgar um filme exige muito mais dedicação que um emprego em tempo integral", afirma Todd Solondz, que abocanhou com "Bem-vindo à Casa de Bonecas" o grande prêmio do júri no Sundance Film Festival do ano passado.
Mercado restrito
Desafio ainda maior que fazer o filme é torná-lo lucrativo. Produções baratas esbarram em divulgação tímida, apresentação em salas pequenas e público específico.
É inegável que talentos como Steven Soderbergh, de "sexo, mentiras e videotape", e Edward Burns, de "Os Irmãos MacMullen", muitas vezes surgem em filmes de baixo orçamento. Também é claro que tais filmes não são tão atraentes para o público quanto as produções dos grandes estúdios.
Por todos esses motivos e mais alguns, Sundance se tornou a esperança para quem quer fazer carreira por trás da câmera.
Frequentado por caça-talentos dos estúdios, a cada edição o festival se torna mais concorrido. "Nosso objetivo não é auxiliar na venda de filmes", repete a diretora-executiva. "Apenas damos a cineastas a chance de mostrar filmes que ninguém veria."
A tolerância de Sundance com o trabalho de iniciantes transformou-o num monstro que engole a si próprio, por dois motivos.
O primeiro é que muitos cineastas terminam seus filmes para obedecer ao prazo de inscrição do festival. Este ano, foram 800 inscritos na categoria de ficção competitiva. Apenas 18 foram selecionados. Há portanto 782 filmes prontos esperando por uma chance.
Outro problema foram os preços altos pagos a alguns poucos filmes, que os transformaram no que seus diretores tentavam negar, ou seja, produtos nos quais os estúdios investem até US$ 10 milhões.
"Se um filme é comprado por tanto dinheiro, outros quatro vão parar no fundo do armário do diretor", afirma Kristine Peterson. Este ano ela foi a Sundance apresentar "Slaves to the Underground" e como muitos saiu de lá sem fechar negócio.
Baixa qualidade
No exigente mercado norte-americano, os filmes independentes são ao mesmo tempo fonte de esperança e motivo de chacota. "O cinema deste país precisa de uma revolução criativa", afirma Arthur Penn, diretor de "Bonnie e Clyde, uma Rajada de Balas". "E tal revolução só pode vir do cinema independente", completa.
Sem dinheiro para finalizar seus filmes apropriadamente, muitos diretores chegam a Sundance com cópias mal feitas, de som lamentável e imagens pouco nítidas.
No festival, salas de projeção são improvisadas a ponto de se escutar o barulho do projetor enquanto se senta em cadeiras enfileiradas amarradas em madeira.
Mas mesmo oferecendo tão pouco conforto, Sundance continua sendo um pólo de tolerância. No festival deste ano, poucos conseguiram distribuição. Os que não chegam ao mercado nessa oportunidade correm o risco de se somar aos 782 já sob ameaça de extinção.

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