São Paulo, terça, 28 de janeiro de 1997.

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DANÇA
Exterior reconhece folclore brasileiro

ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

Esquecidos pela mídia e geralmente sobrevivendo sem patrocínios ou apoio do governo, os grupos de dança folclórica do Brasil resistem às custas do empenho pessoal de seus integrantes.
A falta de estímulo no próprio país não impede, contudo, o reconhecimento no exterior. É por meio das temporadas internacionais que os grupos populares conseguem se afirmar.
Entre os que já conquistaram mercado de trabalho fora do Brasil está o Balé Popular do Recife (BPR), que se apresenta até amanhã em São Paulo, no Teatro Popular do Sesi. Comemorando 20 anos, esse elenco dirigido por André Madureira já se apresentou na América do Norte e na maioria dos países europeus.
No entanto, é o Balé Folclórico da Bahia (BFB) que vem provando que a dança de caráter popular pode se emancipar e se tornar um carro-chefe da cultura do país.
Com oito anos de atividades, o BFB já pode ser considerado um fenômeno. Campeão de bilheterias na Europa, o grupo baiano está em temporada na Austrália, onde acaba de receber proposta para realizar a abertura dos Jogos Olímpicos de Sydney, no ano 2000.
Até a virada do milênio, o BFB não tem com o que se preocupar. Com a agenda lotada para os próximos quatro anos, vem dando a volta ao mundo em turnês que, nos próximos meses, incluem EUA, Canadá, Líbano, Finlândia, Áustria, Alemanha e Bélgica.
Em agosto, o BFB participa na França da 40¦ edição do Festival Mundial de Folclore de Confolens, o maior e mais antigo do gênero. Escolhido pelos organizadores para ilustrar a publicidade do evento, o BFB já está sendo considerado atração principal.
Marginalidade
Para esse elenco que inclui ex-garotos de rua da Bahia e que já foi marginalizado no início da carreira, o sucesso tem sabor especial. ``No início enfrentamos muito preconceito'', diz Walson Botelho, fundador do grupo.
``Quando montamos o BFB éramos obrigados a entrar nos teatros pelas portas dos fundos. Em hotéis onde animávamos congressos e convenções, chegávamos a ser revistados na entrada e na saída. Na Bahia, a dança folclórica está relacionada à marginalidade porque inclui a presença do negro, da capoeira e do candomblé.''
Foi preciso persistência para o BFB provar seu profissionalismo. ``Prometi que um dia sairíamos dos teatros pelas portas da frente, como estrelas'', diz Botelho.
Hoje, mesmo fora do Brasil o BFB vem conquistando status inédito até entre os grupos folclóricos europeus. Em novembro, o requintado e tradicional Théâtre du Champs Elysées de Paris abrirá suas portas para o grupo, para um dos espetáculos de fim-de-ano.
``Mesmo em Nova York já quebramos tabus. Ano passado, o City Center, teatro que costuma apresentar só grupos de dança moderna, nos recebeu para uma temporada e nos convidou para voltarmos em abril, quando lá realizaremos oito espetáculos.''
Segundo Botelho, a mídia também revela preconceitos com relação às manifestações folclóricas. ``Já houve jornalistas nos sugerindo para eliminarmos o termo folclórico do nome do grupo.''
``Tais atitudes confirmam que o Brasil desvaloriza suas riquezas culturais. Temos inúmeros grupos folclóricos espalhados pelo país, que sequer conhecemos, e que não se afirmam por não terem experiência ou organização.''
André Madureira, diretor do Balé Popular do Recife, confirma o preconceito. ``Também entrávamos pelas portas dos fundos, como se não fôssemos profissionais sérios e honestos.''
Acreditando que há público para a dança folclórica no Brasil, Madureira ressalta: ``Nosso trabalho já influenciou a formação de outros 25 grupos em Pernambuco, onde não é mais exótico falar em maracatu e caboclinha''.

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