São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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OPINIÃO

Condição adolescente de ser uma eterna promessa envolve cineasta e sua obra

ALAN PAULS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sofia Coppola está prestes a completar 40 anos, mas continuamos tratando-a como adolescente. Como se seus filmes -e ela já fez quatro- não fossem frutos de seu talento, sua sensibilidade ou sua inteligência, mas promessas de uma obra futura em que se revelará a verdade por inteiro. Por quê?
Pelo carma de ser filha de Francis Ford Coppola? Ou porque continuamos a enxergá-la como a muito jovem Mary Corleone de "O Poderoso Chefão 3"?
Nessa estranha ilusão óptica que geram os filmes de Coppola, há algo que não se deixa explicar pelos avatares biográficos da diretora nem pela poluição midiática que contamina sua estirpe. Algo que está relacionado aos próprios filmes. Como se esse erro de paralaxe fosse um dos elementos internos decisivos, inclusive o segredo que os faz existir e os define.
Já se disse muito que o tema do cinema de Coppola é a celebridade. As irmãs Lisbon, de "As Virgens Suicidas" (1999), são estrelas da disfuncionalidade familiar, assim como "Maria Antonieta" (2006) o é no mercado da mundanidade monárquica.
Nem há o que dizer sobre Bob Harris, de "Encontros e Desencontros" (2003), inspirado nessa "bête noire" do "star system" de Hollywood que foi Orson Welles.

IMPASSIBILIDADE
O protagonista de "Um Lugar Qualquer" também é um desses seres marcados pela hipervisibilidade. Ator de Hollywood, Johnny Marco é apático como Harris, inocente como Maria Antonieta e autoabsorto como as meninas Lisbon.
Coppola descreve a vida de Marco com a mesma impassibilidade, a mesma falta de ênfase e hierarquias dramáticas com que filmou a via crucis de Bob Harris pelo labirinto ilegível de Tóquio.
Tudo indica que Johnny Marco é famoso, mas o que Sofia Coppola omite é o porquê. Marco não é especialmente bonito, simpático ou brilhante. Ignoramos tudo sobre sua carreira e sua habilidade como ator.
A única coisa que nos é mostrada é um cartaz de seu último filme e uma entrevista coletiva que Marco resolve com monossílabos. Mas ele tampouco é especialmente idiota, extravagante ou rebelde. Digamos de uma vez: Johnny Marco não é nada.
Como pode, portanto, ser uma celebridade? Aqui está a descoberta mais sutil, mais "warholiana" de "Em Qualquer Lugar": a ideia de que a fama, em sua versão contemporânea, é um enigma.
Não é o resultado lógico e progressivo de um trabalho, uma carreira, um conjunto de qualidades pessoais, mas uma mais-valia mágica, invisível, que nunca procede daquele que a ostenta, mas do exterior, dos outros, daqueles outros em que Sartre costumava localizar o inferno.
Assim, Marco é apenas o herói menor, subsidiário, do filme de Coppola. Os verdadeiros heróis são outros: camareiros, assessores de imprensa, comissários de bordo, strippers, toda essa pequena legião de artistas conceituais camuflados que fazem desse nada que é Johnny Marco uma celebridade.
Desse nada, ou desse adolescente eterno que ele é, porque o que é a adolescência senão esse grande momento no qual -para o bem ou para o mal- somos o que os outros decidem?
Não é, portanto, o tema da celebridade o que distingue o cinema de Sofia Coppola. É sua hipótese -corroborada por ela mesma, congelada na condição adolescente de ser uma promessa eterna- de que celebridade e adolescência são experiências gêmeas e que, para ser célebre, não é preciso ser ou fazer nada: só deixar-se fazer pelos outros.

ALAN PAULS, escritor argentino, é autor de "O Passado" (Cosac Naify), entre outros.

Tradução de CLARA ALLAIN


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