São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2002

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Novo livro do sociólogo Michel Maffesoli analisa a transição da era pós-moderna

Laboratório de nomadismo

Ana Carolina Fernandes - 30.ago.00/Folha Imagem
O sociólogo francês Michel Maffesoli, que teve seu livro lançado recentemente no Brasil, em conferência na sede da ABL, no Rio



Estudioso francês diz que século 21 será uma era mais cultural do que econômica para a Europa


EDUARDO ROCHA
DA AGÊNCIA FOLHA

Um laboratório para uma nova era. Assim o sociólogo francês Michel Maffesoli vê a condição do Brasil neste novo milênio. Em sua obra recém-lançada no Brasil, "Sobre o Nomadismo - Vagabundagens Pós-Modernas" (Ed. Record), Maffesoli analisa a transição da era pós-moderna e a volta aos arcaísmos. O livro retoma a idéia do avanço da autonomia do indivíduo em uma sociedade que se fragmenta. Nele, o autor vislumbra "a criação de um novo mundo". Para tanto, destaca "Casa-Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, como exemplo de um "novo mundo" criado pelos portugueses.
Professor do Centre d'Études sur l'Actuel et le Quotidien, da Universidade Sorbonne, Maffesoli se prepara para vir ao Brasil em setembro, com os pensadores Edgar Morin e Jean Baudrillard, para participar de um ciclo de palestras em São Paulo e em Porto Alegre.
Em entrevista à Folha, o autor analisa ainda o significado dos atentados terroristas aos EUA e a construção de uma nova Europa, a partir do euro.

Folha - Acaba de ser lançado no Brasil seu último livro, "Sobre o Nomadismo". O sr. poderia fazer uma apresentação dessa obra?
Michel Maffesoli -
O que eu quero mostrar nesse livro é o que eu chamo de "a volta dos arcaísmos". Isto é, o fato de que não vai mais haver uma espécie de prisão à domicílio, seja no sentido ideológico, profissional, sexual. Como a imagem das sociedades primitivas, vai haver uma circulação, um comércio, no sentido antropológico do termo, no sentido da troca. A idéia central do nomadismo é uma nova circulação. Todo o nomadismo é a inauguração de um novo mundo, do modo pós-moderno. Estamos exatamente sobre esses três pontos da identidade pós-moderna: uma ideologia, um sexo, e uma profissão. Várias ideologias, vários sexos, e várias profissões, tudo o que remete à mestiçagem. Nesse sentido é que eu acho que o Brasil pode ser um belo laboratório de nomadismo, assim como a Europa foi um modelo de modernidade.

Folha - Sobre o 11 de setembro, quais mudanças ocorreram nas sociedades do mundo após os atentados terroristas aos EUA? De que maneira as relações entre Ocidente e Oriente foram alteradas?
Maffesoli -
Acho que esse famoso 11 de setembro não pode ser visto apenas em termos geopolíticos. Ele não foi um simples acontecimento, mas algo que está chegando, um advento. Não só o que pode suportar uma interpretação racional, mas uma volta às ilusões, ao imaginário. É um sintoma de uma volta do não-racional. Um segundo ponto seria o golpeamento de um símbolo fálico do Ocidente. É interessante ver como essas torres são um símbolo fálico por excelência. Em nome do poder econômico podem ruir a partir de uma força que vem do imaginário.

Folha - E em que grau o sr. acha que o "american way of life" foi atingido pelos atentados?
Maffesoli -
Profundamente. É uma espécie de ferimento narcisista. Foi um golpe profundo cujos efeitos nós iremos ver mais tarde. Em termos de repercussão, no que concerne particularmente ao "american way of life", é fato que a vida não é exatamente redutível à economia, o que é particularmente positivo.

Folha - O sr. concorda que houve um contato maior entre as "tribos" do Ocidente e Oriente após o 11 de setembro, e que essa troca de informações vem envolta em uma carga ideologizada, que beneficia o dominante, no caso, os EUA?
Maffesoli -
O que eu chamo de "ferida narcisista" é o "Colosso de Rodes" -é o gigante dos pés de barro. Acho que todos os grandes valores ocidentais, como o trabalho, a razão, e a positividade foram atingidos e causam uma grande repercussão no inconsciente coletivo. Então, o grande modelo hegemônico da América foi golpeado. E mesmo a vitória dos EUA no Afeganistão é uma "vitória de Pirro". É aparentemente uma batalha entre a força e o imaginário.

Folha - De que modo a União Européia pode ocupar uma nova posição mundial com a adoção do euro?
Maffesoli -
É preciso ver a Europa a partir da idéia imperial. A Europa persiste numa dimensão econômica, e o mais importante é que ela seja compreendida do ponto de vista cultural. Aí sim, pode-se falar em uma força cultural européia. Entendemos que o século 21 será uma era mais cultural do que econômica. Estamos num momento em que a Europa vai passar do virtual para o real.


SOBRE O NOMADISMO - VAGABUNDAGENS PÓS-MODERNAS - De: Michel Maffesoli.
Editora: Record. 208 páginas.
Quanto: R$ 21


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