São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2002

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TELEVISÃO

Concorrente de Minas Gerais chega à última pergunta do "Show do Milhão", erra e fica apenas com R$ 300

Professor perde R$ 1 mi em programa

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Era uma pergunta fácil, facílima, e poderia mudar o destino do professor aposentado Jair Hermínio da Silva, um solteirão mineiro de 57 anos. Se modificasse o dele, também transformaria os de outras duas aposentadas, Zezé e Didi, tão solteiras quanto o colega de magistério que ambas sempre tomaram por "sabichão".
A sorte, entretanto, tem caprichos insondáveis. E, em vez de trazer a reviravolta que prometera, acabou deixando tudo como estava na rotina dos três amigos.
A pergunta fácil, facílima: quantas letras compõem o lema da bandeira nacional? Silvio Santos lançou-a, risonho, durante o "Show do Milhão" - e o telespectador do SBT deverá ver a cena hoje à noite, salvo alterações repentinas (e nem um pouco incomuns) na grade da emissora.
O professor, que chegara à última etapa do programa, ouviu a indagação em silêncio. Se desistisse de respondê-la, embolsaria os R$ 500 mil já ganhos nas fases anteriores. Se acertasse, levaria o alardeado R$ 1 milhão. Se errasse, sairia dali quase sem nada.
Desde que o "game" estreou, em novembro de 99, apenas seis concorrentes flagraram-se na mesma situação de Jair. Ninguém arriscou responder a questão final. Todos se contentaram com os R$ 500 mil.
Ocorre que, para nenhum dos seis, Silvio fizera uma pergunta tão simples como a que o professor escutara. Jair se encontrava à beira do milhão porque, um dia antes, ultrapassara dúvidas bem mais espinhosas, sobre astronomia, literatura, biologia, história. Não iria recuar agora.
Dispunha de 20 segundos para responder. Caso tivesse êxito, dividiria o prêmio em partes iguais com Zezé (Maria José de Camargo, 63) e Didi (Ana Romanini, 58).
As duas paulistas -que se tornaram amigas do professor há 19 anos- o incentivaram a participar da competição. O trio define-se como "de classe média baixa". Cada um contabiliza renda mensal entre R$ 1.800 e R$ 2.000. Zezé e Didi têm casa própria. Jair, não.
Com o dinheiro, pretendiam, claro, encostar definitivamente "o burro na sombra". Planejavam, ainda, ajudar "uns conhecidos" e viajar juntos. A primeira parada seria na Costa do Sauípe (Bahia).
Jair, porém, não pensou em sonho algum ao ouvir a pergunta de Silvio. Só pensou que se tratava de uma questão estranhamente fácil. Facílima. "Dezesseis letras", respondeu após os 20 segundos.
Errou. "Ordem e Progresso", o lema da bandeira nacional, soma 15 letras. O professor -que atravessara as últimas três décadas e meia lecionando português em pequenas cidades do interior de São Paulo e Minas- morrera na praia, traído pela matemática.
Despediu-se de Silvio Santos com apenas R$ 300 no bolso. O cachê, que todos os participantes do programa recebem, não daria conta de saldar nem mesmo o aluguel do próximo mês. Para morar sozinho numa casa de três dormitórios em Guaxupé (MG), Jair paga R$ 340.
A ascensão e a queda do professor aconteceram em dezembro. No dia 20, ele abocanhou os R$ 500 mil. Um dia depois, errou a pergunta final. Na noite que separou a vitória da derrota, dormiu em um bom hotel paulistano e jantou num restaurante chinês, sempre à custa do SBT. Zezé, que vive em Itápolis (SP), o acompanhava. Didi, também de Itápolis, torcia à distância.
Na quinta-feira passada, a emissora exibiu as etapas em que Jair brilhou. Hoje, às 22h30, deverá mostrar a derrocada (mais uma vez, atenção: Silvio Santos adora mudanças de plano).
"Por que errei? Sei lá... Acidente de percurso", conjectura o professor, que toca violão e bandolim, lê "uns cinco livros" mensalmente e fala quatro línguas com fluência. "Imaginei que viria uma pergunta cabeluda e, de repente, aquilo... Fiquei desnorteado, surpreso. E acabei trocando as bolas. No lugar de "Ordem e Progresso", contei as letras de "Ordem ou Progresso"."
Espírita, o professor sustenta que não está "triste nem desapontado". "As folhas não caem de uma árvore se Deus não quiser. Ele julgou que não deveríamos vencer. Eu aceito. Talvez o dinheiro nos trouxesse problemas. Além do quê, não perdi nada. Só deixei de ganhar."
As duas amigas concordam. "Deus sabe o caminho da gente", ensina Didi. "Jair demonstrou coragem quando tentou responder a pergunta derradeira. Continuo admirando-o", completa Zezé.
Ela, aliás, escutou de Silvio uma "palavra de consolo" assim que tudo terminou. "Aquele homem se aproximou de mim e disse: "Poxa, Zezé, bem me avisaram que professor não dá sorte..."."



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