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CINEMA
Nomes como Sean Penn e Charlize Theron representam avanço em direção a um caráter realista de interpretação
Hollywood tem nova era de ouro da atuação
A. O. SCOTT
DO "NEW YORK TIMES"
A atuação de Charlize Theron
em "Monster" foi declarada "uma
das maiores performances na história do cinema". Tal hipérbole
por parte de um crítico sempre
corre o risco de causar espécie,
mas não junto a mim. Isso acontece em parte porque também admiro o trabalho de Theron em
"Monster".
Mas é também porque seria hipocrisia pura de minha parte
zombar de uma declaração histórica tão grandiosa. Eu disse coisas
igualmente extravagantes ao saudar o trabalho de um colega de
Theron, quando afirmei que o retrato que Sean Penn faz de Jimmy
Markun em "Sobre Meninos e
Lobos", de Clint Eastwood, é um
dos trabalhos de atuação definitivos dos últimos 50 anos.
Em 2003, Sean Penn e Charlize
Theron ofereceram a prova mais
contundente de que estamos vivendo uma época extraordinária,
um período que, futuramente,
olhando em retrospectiva, diremos que foi o dos anos dourados
da atuação nas telas.
É artigo de fé entre os cinéfilos
de todos os gostos, há muito tempo, que o presente -qualquer
presente- não passa de sombra
pálida do passado. Afinal, muito
tempo atrás, na era dos estúdios,
tínhamos astros e estrelas de cinema -gente como Cary Grant,
Bette Davis, Katharine Hepburn,
Humphrey Bogart e assim por
diante- como certamente nunca
voltaremos a conhecer. E então,
nas décadas do pós-guerra, o
Group Theater, o Actors Studio e
a era heróica do drama americano
sério produziram uma geração de
atores capazes de provocar emoções profundas no espectador.
Os astros de cinema dos velhos
tempos seduziam seu público pelo fato de se manterem basicamente iguais, filme após filme. Independentemente de quem estivesse fazendo de conta ser, ou de
se o estivesse fazendo a pedido de
George Cukor ou de Alfred Hitchcock, Cary Grant era sempre e esplendidamente Cary Grant. A variedade mais nova de ator, aquela
que foi exemplificada em Robert
De Niro e Meryl Streep, alcançava
seu status transformando-se
completamente de um papel a outro -dominando novos sotaques, ganhando e perdendo peso
e refratando seu carisma através
do prisma da autenticidade.
Essas fases anteriores sugerem a
longa evolução do cinema americano, desde a teatralidade estilizada e burilada em direção a um naturalismo cada vez mais cru e não
mediado que, com freqüência,
também era altamente estilizado,
ele próprio. Essa evolução pode
ser acompanhada, entre os homens, desde Marlon Brando a
Warren Beatty e Paul Newman,
chegando a Al Pacino, De Niro,
Dustin Hoffman e Robert Duvall.
Entre as mulheres, passa por Natalie Wood, Faye Dunaway, Sally
Field e Meryl Streep.
Charlize Theron e Sean Penn,
nos papéis pelos quais foram indicados ao Oscar com certeza representam ainda mais um avanço no
rumo do realismo, na medida em
que se esforçam furiosamente para desaparecer dentro da pele das
pessoas violentas e problemáticas
que representam. Sempre houve
um certo grau de ostentação nesse
tipo de auto-apagar-se totalmente
concentrado, algo que é um dos
grandes paradoxos da atuação
realista: quanto menos você a nota, mais notável ela é.
Uma das coisas que têm em comum algumas das atuações mais
notáveis do último ano, tenham
ou não valido indicações ao Oscar, é uma espécie de evitar cuidadoso dos excessos, algo feito com
discrição meticulosa. Chiwetel
Ejiofor, o ator de teatro inglês que
representa um médico nigeriano
exilado em "Coisas Belas e Sujas",
de Stephen Frears, raramente eleva a voz acima de um sussurro; o
sofrimento, a vigilância atenta e a
decência cansada do personagem
são expressas pelos olhos do ator
e os músculos de seu maxilar.
Hoje em dia, freqüentemente se
lamenta a escassez de astros de cinema inegáveis -definidos como os atores e atrizes não apenas
capazes de gerar boas bilheterias,
mas cuja presença é maior do que
a soma de seus papéis. De fato, os
astros e estrelas de cinema podem
estar a caminho de se tornarem
obsoletos. Um fato curioso sobre
os indicados ao Oscar de melhor
filme neste ano é que três dos cinco -"O Senhor dos Anéis", "Seabiscuit" e "Mestre dos Mares",
que, por coincidência, não estiveram entre os de produção mais
cara- não receberam indicações
nas categorias de atores. Ao lado
desses grandes espetáculos figura
um punhado de filmes menores
-de escala modesta demais, possivelmente, para serem levados
em conta para o prêmio de melhor filme- que dominam nas
categorias de atuação. Eles incluem "Terra de Sonhos", "House
of Sand and Fog" e "21 Gramas".
Esses filmes, ao lado de "Sobre
Meninos e Lobos", com suas três
indicações para atores, sugerem
que o atual renascimento da atuação pode estar subvertendo o
"star system" de outras maneiras,
na medida em que insiste sobre a
primazia do conjunto e ignora a
tradição injusta de separar os astros verdadeiros ou potenciais
dos atores acostumados a representar determinados tipos de papéis. Atores como esses precisam
de mais e melhores filmes, porque, na maioria dos casos, seu trabalho se destaca contra um pano
de fundo desinteressante.
Sempre há mais bons atores do
que existem prêmios e indicações,
e sempre haverá mais bons atores
do que papéis que valem a pena.
Mas, quando os ganhadores do
Oscar subirem ao palco, amanhã,
valerá a pena considerar que, por
um instante, estão à frente de uma
multidão, e que aquele palco poderia facilmente estar repleto de
seus pares.
Tradução Clara Allain
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