São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2001

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"A NOITE DOS MORTOS-VIVOS"/"O HOMEM DO BRAÇO DE OURO"

Atmosfera realista conduz ao sobrenatural e o torna crível

DA REDAÇÃO

Não faltam motivos para que "A Noite dos Mortos-Vivos" (versão original, de 1969) tenha se tornado um marco na história do filme de terror.
O primeiro deles é a sua originalidade. Em várias frentes. Em primeiro lugar, o realismo cru da direção de George Romero introduz um novo parâmetro no gênero, normalmente dominado seja pelo gótico, seja pelo barroco.
O que há de mais terrível em "A Noite dos Mortos-Vivos" é que os personagens nos sejam tão familiares: um rapaz e uma moça vão colocar flores no túmulo do pai, quando são atacados por um morto-vivo. Ele morre. Ela consegue chegar a uma casa que será refúgio de vários vivos, ao longo de uma noite interminável.
Em segundo lugar, esses mortos-vivos estão longe de ser emanações infernais: é a radiação (um terror bem humano) que os tira dos túmulos e os transforma em monstros mutantes. É, portanto, o homem que gera, com sua ação, seu próprio terror.
Nem por isso ele é menor: cada minuto é de tensão, em que o melhor do gênero vem à tona, isto é: essa capacidade que só o fantástico tem de despertar nossos fantasmas mais profundos -o medo da morte, da mutação.
Em nenhum momento Romero cede à facilidade do cinema-susto, tão frequente no horror mais recente. Não há necessidade de aparições rocambolescas para gelar nosso sangue. É a atmosfera realista (parece um filme de John Cassavetes, nesse sentido) que nos conduz ao sobrenatural e o torna mais crível e aterrorizante.
Por fim, o fato de trabalhar com atores desconhecidos introduz um elemento a mais de horror. Um ator famoso nos tranquiliza e dá a certeza de que o herói sobreviverá para contar a história, o que não acontece aqui. O filme dispõe de uma produção modesta, mas não se ressente desse fato. Pelo contrário, tira partido dela. É indispensável para os fãs do gênero e também para os que não são tão fãs assim.
"O Homem do Braço de Ouro" (1955), outro lançamento desse lote da Continental, não entra na categoria das obras-primas. Contribui para isso o fato de Otto Preminger ter precisado mitigar bastante o drama de Frankie Machine, o morfinômano que, após uma desintoxicação, tenta se livrar do vício. Um amor infeliz e a presença tentadora de um traficante não o ajudarão.
Dois pontos chamam a atenção: a interpretação de Frank Sinatra -certamente a mais difícil e bem-sucedida de sua carreira- e as sequências em que Frankie tenta se manter afastado da droga.
Nos anos 50, a censura hollywoodiana julgava que o melhor método de combater as drogas era ignorar sua existência. Tática do avestruz, bem a gosto das censuras, que Preminger toureou como pôde. Resultou disso um filme maldito, que ficou anos fora de circulação e raramente se conseguia encontrar (foi editado em vídeo no Brasil, quase clandestinamente, pela Brenno Rossi).
Se não é um primor de cabo a rabo, fecha com vigor esse lote precioso da Continental, onde apenas um dos filmes ("The Paradine Case" ou "Agonia de Amor") não parece provir de matriz impecável. (INÁCIO ARAUJO)


Lançamentos da Continental
Hitchcock Collection (Rebecca, Interlúdio, Quando Fala o Coração, Correspondente Estrangeiro, Agonia de Amor)
    
O Homem do Braço de Ouro
   
A Noite dos Mortos-Vivos
     
Distribuidora: Continental
Quanto: R$ 150 (a coleção, em média) e R$ 32 (cada DVD)





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