São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 2002

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SHOW/CRÍTICA

RPM constrange a platéia na gravação do retorno

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

É duro dizer. Mas, de volta após 14 anos de separação, o grupo de tecnopop RPM protagonizou anteontem um dos momentos constrangedores da história recente do showbiz nacional.
A banda dos quarentões Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Fernando Deluqui e Paulo "P.A." Pagni gravava para a MTV e para um CD ao vivo, no teatro Procópio Ferreira (o mesmo de "Sai de Baixo"), em São Paulo, a volta de seu tesouro particular de juventude.
Mais que tesouro pessoal, o RPM foi marco central de uma época, de uma geração. Quer se queira ou não, foi uma das glórias dos anos 80, e a responsabilidade de voltar era flagrante no nervosismo aparente dos quatro.
Mas a idéia era, além de tudo, exótica. Relíquia presa num tempo, o RPM teria de saber se renovar, se comunicar com o passado, com o presente e com o futuro num só show. Não soube.
O esdrúxulo da situação podia ser percebido pela reação de parte do público "VIP". Até na claque do gargarejo se ouviam clamores por "revolução", insistentes pedidos de "toca Genesis" e exclamações tipo "lindo" e "tesão", quase sempre vindas de homens. Paulo Ricardo continua bonito, sim, mas o clima parecia mais de zoeira que de empolgação gay.
No palco, os teclados de Schiavon, que nos 80 até podiam guardar neles algo de "revolução", quase 20 anos depois soaram estridentes, pesados, histéricos.
Paulo Ricardo tentou repetir à risca o charme de antigamente. Mas a pose lânguida ao cantar "London, London" (71), de Caetano, virou prosaico equívoco. Quem em 2002 ainda acredita em "London, London"?
O que Paulo não via é que já não há quem grite por aquele tipo de charme, e que os equivalentes aos que em 86 o amavam devotam ao trio teen KLB idêntica paixão.
Talvez por isso, ao trucidar o hino "Exagerado" (85), de Cazuza, virando-o numa balada country, o RPM soasse como cover do KLB, que, aliás, em CD de 2001 fez uma cover bem RPM de "Olhar 43" (85). Saudades do KLB...
A homenagem a Cazuza não esteve solitária. Sucedeu outra a Renato Russo, cujos vocais graves duelaram com os (ainda bons) de Paulo Ricardo em "A Cruz e a Espada" (85). O show ao vivo virou show ao morto, crua morbidez.
A seguir veio uma inédita, "Vem pra Mim", de Herbert Vianna. Foi dos bons momentos, mas, meninos, há um ato falho embutido nessa sequência, não?
Falando nisso. O RPM apresentou cinco novas canções de sua lavra, das quais a mais divertida é "Vida Real", o tema de "Big Brother Brasil" ("revolução"? tsc, tsc), e a melhor é o rock de adrenalina "Rainha". Ambas lembram desenho japonês, mas tudo bem, isso era o fino da bossa do RPM.
As outras, exceto "Eu Quero Mais" ("eu quero mais Kurt Cobain e John Lennon", ai, ai, ai), são baladas das mais caramelizadas que se possa conceber, e aí cabe a pergunta: Paulo quer o rock do RPM ou quer espancar a tecla do ídolo solo/romântico/ brega? A cruz ou a espada, guerreiro?
O que saiu bacana, e não podia ser diferente, foram os rocks energéticos e/ou climáticos de anteontem. "Juvenília", "Rádio Pirata", aquelas coisas. Passaram rasteiras, perdidas no mofo da repetição farsesca da fórmula fugaz.
É dura a crítica, se o RPM era, é e será uma banda legal. Mas, rapazes, se soarem duras as palavras, não liguem. Vai vender bastante e aliviar as "consciências" suas, da gravadora Universal, da rede musical MTV, dos piratas. Só isso pode nos justificar tudo aquilo.


Avaliação:  



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