São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 2002

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"OS CAMARADAS", "ÁLIBI" E "A MORTA"

Quando a cena transborda do palco

SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Sorria: você está no teatro. Com mais de 150 peças em cartaz na cidade, o teatro transborda não só para as ruas como para prédio, casas e bares, e a qualquer momento você pode estar em cena. O "espaço não convencional" pode ser até um palco mesmo, cercado de público por todos os lados, como o pequeno do teatro Paiol, onde cabe o enorme talento da Cia Livre no "Bonde Chamado Desejo". Ou no To Bee, no qual a Cia Carona de Blumenau apresenta "Os Camaradas", sobre a exploração política da fome na Tchecoslováquia.
A um metro da platéia, criam uma poesia intensa a partir de poucos recursos, optando por criar um universo paralelo claramente separado do público.
Essa promiscuidade espacial acaba sendo um irresistível apelo para "processo colaborativo", segundo o conceito do grupo XIX, formado por discípulos de Antônio Araújo: "Hysteria" interage com as mulheres do público (separadas dos homens que assistem a tudo da arquibancada) em um espetáculo que é novo a cada vez, pois sua dramaturgia transforma em espetáculo depoimentos espontâneos e comoção do público -composto até por críticos.
Críticos que, nos festivais, facilmente se tornam personagens, como na cena de "Risco de Vida" de Alberto Guzik, na qual Otávio Filho, alter-ego do autor, desce à platéia para assistir a uma peça imaginária e transforma o teatro em cenário de si mesmo, unindo em uma só marca as funções de público, crítico e ator.
Eu mesmo, no Hermes Bar (depois de perder o horário de "Morada", peça que acontece em casa particular) fui convidado a me retirar do balcão, pois era ali que a peça começaria. Saí de cena tentando transformar meu acanhamento em performance.
A peça que se seguiu, "Álibi", do grupo Êxedra de Curitiba, adapta um conto de García Marques no qual o dono de um bar tem um obsessivo caso com uma prostituta, estabelecendo um interessante jogo metalinguístico, mas sucumbindo a uma certa declamação do texto e aos desafios de iluminar e sonorizar a proposta ousada.
A ousadia de transformar a platéia em espetáculo atinge o ápice com a provocação da companhia EmCômodo Teatral, que parte do mote do "Juramento do Público" que abre a peça "A Morta", de Oswald de Andrade ("Serei bem comportado e cínico após me devorar em meu próprio banquete"), para um percurso por salas em que o público é convidado a fazer ginástica e análise, entre outras atividades. Em uma autocrítica rápida, minha performance foi bastante pífia. Ainda bem que só os atores assistiram.



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