São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 2002

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ERUDITO

Pesquisadora recupera identidade sonora de peças litúrgicas, escritas para a Quaresma em igreja de Ouro Preto

Minas ressuscita as ladainhas coloniais

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Igreja Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto (MG), presenciou pela primeira vez, durante a Quaresma deste ano, a execução em versão original de partituras de peças litúrgicas brasileiras do século 18 e início do século 19.
As músicas já faziam parte do repertório daquela igreja, mas foram nas últimas décadas interpretadas a partir de cópias simplificadas ou com instrumentação que substituía instrumentos de cordas por instrumentos de sopro, mais comuns às bandas de música.
Foi também possível identificar a autoria de peças até então consideradas de autor desconhecido. Elas são, entre outros, de Jerônimo de Souza Lobo e João de Deus de Castro Lobo, de Ouro Preto, José Maria Xavier, de São João del Rei, Manoel Dias de Oliveira de Tiradentes, ou Francisco Manoel da Silva, do Rio de Janeiro.
Esse processo de volta às origens de um antigo acervo musical teve dois responsáveis principais. O primeiro foi o Museu da Inconfidência, depositário, em Ouro Preto, de sete coleções de partituras compostas ou copiadas há até mais de dois séculos.
O trabalho consistiu em cotejar as cópias utilizadas na Nossa Senhora do Pilar -eram todas datadas dos anos 30 aos anos 60 do século 20- com os originais que estavam guardados em arquivo e fazer uma transcrição, a partir da qual se restaurou a sonoridade original de cada peça.
A tarefa coube à musicóloga Mary Ângela Biason, 39, do museu, que entre outras atribuições vem catalogando o arquivo do período colonial reunido pelo alemão naturalizado uruguaio Francisco Curt Lange (1903-1997).
O segundo responsável foi o patrocinador das execuções, a transnacional do alumínio Alcan, que, com base na legislação mineira de incentivo à cultura, custeou um grupo de dez instrumentistas de cordas de Belo Horizonte (violinos, violas, violoncelos e um contrabaixo), que se juntou aos sopros, a duas outras cordas e a um organista de Ouro Preto para os sete concertos da Quaresma.
Os músicos foram recrutados no Uni-BH (Centro Universitário de Belo Horizonte).
O último dos sete concertos ocorreu na sexta-feira passada. Na terminologia litúrgica essa série se chama "setenário". A partir do ano que vem é possível que estejam também transcritas as músicas para o "Ofício das Trevas" (como era chamada a missa de Quarta-Feira Santa) e para o Sábado Santo (Aleluia).
O setenário de Nossa Senhora do Pilar é integrado por gêneros de nomes bastante sonoros, com um cheirinho bonito de anacronismo. São antífonas e ladainhas.
Antífonas são poemas cantados para determinada função litúrgica, no caso para louvar Nossa Senhora. As ladainhas são orações com invocações curtas e respostas repetidas, que vão sucessivamente -também no caso- qualificando os atributos da mesma Virgem Maria. São obras em latim, anteriores à modernização da liturgia católica.


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