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ERUDITO
Pesquisadora recupera identidade sonora de peças litúrgicas, escritas para a Quaresma em igreja de Ouro Preto
Minas ressuscita as ladainhas coloniais
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Igreja Nossa Senhora do Pilar,
em Ouro Preto (MG), presenciou
pela primeira vez, durante a Quaresma deste ano, a execução em
versão original de partituras de
peças litúrgicas brasileiras do século 18 e início do século 19.
As músicas já faziam parte do
repertório daquela igreja, mas foram nas últimas décadas interpretadas a partir de cópias simplificadas ou com instrumentação que
substituía instrumentos de cordas
por instrumentos de sopro, mais
comuns às bandas de música.
Foi também possível identificar
a autoria de peças até então consideradas de autor desconhecido.
Elas são, entre outros, de Jerônimo de Souza Lobo e João de Deus
de Castro Lobo, de Ouro Preto,
José Maria Xavier, de São João del
Rei, Manoel Dias de Oliveira de
Tiradentes, ou Francisco Manoel
da Silva, do Rio de Janeiro.
Esse processo de volta às origens de um antigo acervo musical
teve dois responsáveis principais.
O primeiro foi o Museu da Inconfidência, depositário, em Ouro
Preto, de sete coleções de partituras compostas ou copiadas há até
mais de dois séculos.
O trabalho consistiu em cotejar
as cópias utilizadas na Nossa Senhora do Pilar -eram todas datadas dos anos 30 aos anos 60 do
século 20- com os originais que
estavam guardados em arquivo e
fazer uma transcrição, a partir da
qual se restaurou a sonoridade
original de cada peça.
A tarefa coube à musicóloga
Mary Ângela Biason, 39, do museu, que entre outras atribuições
vem catalogando o arquivo do período colonial reunido pelo alemão naturalizado uruguaio Francisco Curt Lange (1903-1997).
O segundo responsável foi o patrocinador das execuções, a transnacional do alumínio Alcan, que,
com base na legislação mineira de
incentivo à cultura, custeou um
grupo de dez instrumentistas de
cordas de Belo Horizonte (violinos, violas, violoncelos e um contrabaixo), que se juntou aos sopros, a duas outras cordas e a um
organista de Ouro Preto para os
sete concertos da Quaresma.
Os músicos foram recrutados
no Uni-BH (Centro Universitário
de Belo Horizonte).
O último dos sete concertos
ocorreu na sexta-feira passada.
Na terminologia litúrgica essa série se chama "setenário". A partir
do ano que vem é possível que estejam também transcritas as músicas para o "Ofício das Trevas"
(como era chamada a missa de
Quarta-Feira Santa) e para o Sábado Santo (Aleluia).
O setenário de Nossa Senhora
do Pilar é integrado por gêneros
de nomes bastante sonoros, com
um cheirinho bonito de anacronismo. São antífonas e ladainhas.
Antífonas são poemas cantados
para determinada função litúrgica, no caso para louvar Nossa Senhora. As ladainhas são orações
com invocações curtas e respostas
repetidas, que vão sucessivamente -também no caso- qualificando os atributos da mesma Virgem Maria. São obras em latim,
anteriores à modernização da liturgia católica.
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