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ATRAÇÃO PELA REPULSA
Em Londres, mostras na Saatchi Gallery e na Tate Modern apresentam artistas que buscam o mal-estar
Exposições questionam o sentido da arte
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES
A enorme estrutura de aquário
da obra "The Pursuit of Oblivion", tema recorrente na carreira
de Damien Hirst, chama a atenção na Tate Modern, em Londres.
Dentro do quadro tridimensional, uma vaca cortada ao meio,
pendurada em ganchos de frigoríficos, está rodeada por peixes que
nadam e se alimentam do corpo
do animal morto. No fundo, um
crânio e uma concha repousam
sobre um banco perfurado por facas. Garrafas de champanhe, um
capacete, uma frigideira e um
guarda-chuva compõem o resto
da peça, que lembra obras de Dalí.
Apesar do riso de alguns visitantes, "Pursuit" é uma das peças
mais chocantes da mostra na Tate. "Senti-me um pouco mal", diz
a professora Rica Patiantosch, 29.
"Mas acho que esse é o papel da
arte. Foi para isso que vim."
Algumas das obras na Tate estão confundindo os visitantes.
Tanto que a função de um empregado é alertar as pessoas de que o
lugar em que elas acabaram de colocar a bolsa é, na verdade, uma
obra de arte. Trata-se de "Spam",
de Sarah Lucas, um bloco de poliestireno pintado de rosa que
pouco chama a atenção. "Entendo que possa causar confusão,
mas o tema de "Spam" é recorrente
no trabalho de Sarah. A artista
costuma pegar elementos do dia-a-dia, nesse caso uma pasta de
carne que era comercializada nos
períodos de guerra, e a expõe em
um contexto diferente. É algo minimalista e cheio de humor britânico", diz a curadora.
A impressão, para alguns, é realmente essa: que tudo não passa de
uma piada. "Não achei nada chocante", diz o gerente de marketing
Frans Waals, 59. "Muitas das
obras parecem ter apenas um título irônico, um humor que funciona apenas no começo."
Marcus Cope, 23, que além de
trabalhar na galeria é estudante de
artes, já viu muita gente reclamar.
"Tem visitante que não tem vergonha de dizer bem alto que as
obras são uma merda, mas percebo que a reação da maioria das
pessoas é positiva", diz. "Ainda
assim acho que a mostra tem um
certo ar de circo, de "freak show"."
"Freak show" é um dos adjetivos que os jornalistas de tablóide
costumam usar ao se referir ao
acervo de Charles Saatchi. E a culpa é de obras como os manequins
dos irmãos Chapman que representam crianças com órgãos sexuais nos lugares em que deveriam estar nariz e boca.
Desde 2003, quando o colecionador abriu a sua própria galeria
em um dos pontos turísticos mais
movimentados de Londres, ao lado da roda gigante London Eye,
mais de 500 mil pessoas já foram
conferir de perto as obras.
Com a exibição "New Blood", a
galeria espera aumentar o fluxo
de visitantes. "São obras muito interessantes, várias estão sendo
exibidas pela primeira vez, e isso
está trazendo mais pessoas", revela o porta-voz da Saatchi.
Mas será que as novas aquisições, como uma gigante máquina
de tear ou uma montanha formada com ratos mortos merecem
atenção? Segundo a crítica britânica, não. Alguns jornais dizem
que a técnica usada por Saatchi de
comprar em quantidade quando
o preço está lá embaixo e de adquirir peças de artistas novatos
parece não funcionar.
"Novidade não tem o menor valor artístico, mas acabou se transformando na razão por trás da exposição (...). Será que o colecionador gosta do que ele está comprando?", escreveu o jornal "The
Observer". Já "The Guardian"
ataca: "Isso é o que acontece
quando a arte contemporânea vira um fenômeno turístico. Para
quem foi feita a exibição? Os artistas, a audiência ou para suprir as
fantasias do colecionador?"
O público que anda lotando a
galeria Saatchi também não parece interessado. "Achei tudo horrível. Parece que as peças foram escolhidas apenas para chocar", diz
a produtora Emma Allen, 36.
Mas é essa a função da arte, chocar? "Acredito que sim. Ao longo
da história, esse tem sido um de
seus papéis mais importantes",
diz Rob Bowman, organizador da
"Beck's Future", competição e
mostra que reúne artistas novos,
em cartaz no ICA (Instituto de
Arte Contemporânea). "Isso estimula um diálogo maior entre a
obra e o público. Apesar de não
ser algo intrínseco à arte, acho que
é um elemento que deve ser levado em conta pelo artista."
É em exposições como a "Beck's
Future" que Saatchi costuma buscar novos artistas. Uma das peças
mais curiosas de "New Blood" é
uma múmia que geme, criada por
Francis Upritchard, vencedor do
prêmio do ICA, em 2003. Neste
ano, o brasileiro Tonico Lemos
Auad está participando da
"Beck's Future". Suas esculturas
feitas com pêlos soltos de carpete
e desenhos em cachos de bananas
estão causando reação na mídia
parecida com a que os artistas da
Brit-Art costumam provocar. "Os
jornais adoram uma polêmica,
mas o público tem sido cativado
pela inventividade das peças de
Tonico. Acho que elas podem
muito bem vir a fazer parte da coleção Saatchi", acredita Bowman.
Talvez a saída de "In-A-Gadda"
resuma bem a história. Ao deixar
a galeria, o visitante é obrigado a
passar pela lojinha do museu. Nas
prateleiras, livros, pôsteres etc. estampam o título da exibição. Ao
lado dos caixas, perto dos cartões-postais, um livro traz como título
a pergunta: "Mas será isso arte?".
(JULIANO ZAPPIA)
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